“Punk: Anarquia Planetária e a Cena Brasileira”, Silvio Essinger, 1999, Editora 34, 224 pp.
–
Mais uma rara resenha de livro por aqui.
E dum livro q comprei dum modo raro, como contrariamente ainda costumo fazer com cd’s: em promoção, custando 15 módicos reais.
Mas q larguei na estante, sem grande gana de encará-lo, no último ano e meio, 2 anos. Até resolver lê-lo pelo motivo menos punk e mais pequeno-burguês possível: enquanto aguardei, há uns 15 dias, a revisão de 50.ooo km do meu carro. Q, por outros motivos q ñ cabem, demorou bem mais q o tempo esperado, ñ sem eu tê-lo devorado – o livro – até a página 120 duma vez só.
Pq é o seguinte: as informações aqui descritas o foram feitas jornalisticamente, numa época próxima, mas ainda distante da vulgaridade e desleixo em termos de escrita q se têm hj em dia com a Internet (com ‘i’ maiúsculo?), repleta de “matérias” q são ctrl c + ctrl v desavergonhadamente, ou de textos de gente q mal sabe escrever. Informações tb lançadas cronologicamente, o q em minha opinião torna este livro algo ESSENCIAL pra quem quer uma mínima biblioteca sobre rock, punk, heavy metal e música em geral.
***
As primeiras 80 páginas descrevem o punk do nascedouro (em chocadeira?), vindo das origens subversivas (comportamentalmente) do rock’n’roll negro estadunidense, passando pelos óbvios pré-punks MC 5, Stooges e New York Dolls, até desembocar nos Ramones e na cena C.B.G.B. com alguma parcimônia e daí relatarem com requintes a trajetória dos Sex Pistols, q têm desmistificado o mito de serem banda “inventada” (ñ foi bem assim) e descritas algumas estórias de bastidores, como tb a vinda de Steve Jones e Paul Cook pro RJ gravarem com Ronald Biggs, entre detalhes outros, bem interessantes.
No entanto, creio o “filé” do livro ser o inventariar do punk brasileiro, focando claramente seu surgimento em São Paulo no fim dos 70’s, na periferia repleta de office-boys e molecada pobre sem perspectiva, q ao verem fotos e matérias sobre o punk londrino, se indentificaram a ponto de perceberem-se punks mesmo antes de existirem os punks. E ao chegar nesta parte, tem-se a obra como complemento do documentário “Botinada”, lançado alguns anos atrás, na medida em q temos descritos mesmos personagens de mesmas trajetórias, de mesmas presepadas enfrentadas, mas com maior rigor e atenção.
Cólera, Inocentes, Condutores de Cadáver, Lixomania, Ulster, apoio e fomento radiofônico por Kid Vinil, Olho Seco, tretas entre punks paulistanos e os do ABC Paulista, Ratos de Porão ainda sem o Gordo, festival “Começo do Fim do Mundo” no SESC Pompéia, até um atrofiar do movimento em meados de 1984 devido a sectarismos, perseguição da polícia e deturpação pela mídia (Rede Globo, q chegou a colocar um punk numa novela, “Um Sonho A Mais” – alguém lembra?) e por falta de lugares para tocar.
Só q a essa altura, mesmo q contaminado pelo desânimo do enfraquecimento das coisas, vi q ainda estava na página 121. O q se segue a partir de então – sei lá se intencional da parte do autor – é uma panorâmica sobre os punks doutros lugares do Brasil, até chegarmos a uma “segunda geração” do punk paulistano (a partir de 1986) e nas alvissareiras decorrências estilísticas nos 90’s e século XXI, em muito derivadas do punk primordial. Sobretudo fora do Brasil.
***
Essinger, sendo do RJ, oferece então a descrição próxima do punk no RJ, a mim desconhecido e atrasado em relação a SP (totalmente oitentista), conduzido por abnegados como Lúcio Flávio, Tatu e Cavalo, skatistas de subúrbio, o q por isso conferiu caráter menos proletário ao movimento carioca. Mas ñ menos crítico e combativo, ainda q de menor repercussão nacional. Digna de menção tb achei a alusão a Carlos Vândalo e seu (sua?) Dorsal Atlântica, como dos pioneiros no Brasil a quererem misturar públicos de punk e heavy metal.
Passa a descrever o punk do Distrito Federal, de história e personagens pra lá de conhecidos: integrantes de Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude, de origem ainda mais diversa e privilegiada, pessoas de melhor nível econômico – filhos de diplomatas e de professores universitários, em sua maioria – e cultural. Mas hormonal e febrilmente necessitados do descarrego q o punk lhes proporcionou tanto quanto os punks de SP e RJ. Ainda q estilisticamente muitas dessas bandas – só ñ a Plebe Rude, de veia mais The Clash – caminhasse ao largo dum som punk estrito. Mesmo com a (o?) Legião Urbana chupinhando descaradamente “I Don’t Care” do Ramones em “Que País É Esse?”. Descrições breves de bandas duma outra leva, como Escola de Escândalo e Detrito Federal se fazem tb notar.
Os capítulo seguinte, 8º, trata de duas bandas alinhadas ao punk, mas órfãs de movimento em torno e oportunamente deslocadas em suas Porto Alegre e Salvador natais: Replicantes e Camisa de Vênus, cujas descrições de trajetórias creio necessárias em qualquer livro ou vídeo q resolva tratar do punk no Brasil. E ainda q mais conciso, e tb repleto de trechos de entrevistas dos mesmos à revista Bizz – aliás, uma constante em todo o livro, devidamente creditados – cumpre seu papel. Mesmo q amenizando, provavelmente por desconhecimento, toda uma série de chupins ou de versões ñ creditadas de punk inglês em sons dos baianos, como “Controle Total” (obviamente “Complete Control”, do The Clash), “O Adventista” e “Bete Morreu” (derivadas de Buzzcocks), descrevendo apenas “Passatempo”, como sendo versão de “That’s Entertainment”, do The Jam…
Mas tudo bem.
***
“Punk: Anarquia Planetária…” caminha para o fim (ops!) ao descrever no capítulo 9º um renascimento do punk paulistano, numa tal “2ª geração” com 4 bandas emblemáticas – só uma, por motivos óbvios, ñ mais ativa – imortal e fonograficamente registradas, além de realmente relevantes, no sentido de terem superado radicalismos e precariedades, pra levar adiante a bile característica:
- Cólera (pacifistas até o fim e 1ª banda brasileira a fazer turnê internacional),
- Inocentes (menos crus e se valendo do contrato com a Warner para cometerem seus 3 melhores álbuns),
- Ratos De Porão (com todas as contradições e acintes envolvendo o João Gordo midiático) e
- Garotos Podres (os punks do ABC q resistiram ao tempo e q cometeram o protesto a mim mais genial e apropriado contra a própria gravadora, em meados de 1986, 1987)
Dignas de atenção nesta parte algum foco nos Titãs, em seu incensado “Cabeça Dinossauro”, haverem se apropriado da estética punk vigente – sobretudo Inocentes (Branco Mello produziu “Pânico Em SP”), Mercenárias e em Ratos De Porão – e alguma discussão suscitada sobre isso na finada citada Bizz, como tb alguma consideração pelo Tokyo, banda de Supla à época, vítima de desdém e preconceito dos punks mais genuínos, como tb da crítica musical.
E o livro termina descrevendo bandas noventistas, por aqui e fora, influenciadas por som e atitude punks: daí dá-lhe Raimundos, a trinca Offspring, Green Day e Rancid, Bad Religion, Atari Teenage Riot e o momento (ñ movimento) grunge, mais focado em Nirvana e Mudhoney, numa pegada q vi mais como do autor tentar catar o q estava disponível naquele fim de século q duma análise pormenorizada como até então o livro se faz prodigioso. Fica q a influência, ainda q ñ exatamente direta, do punk como ATITUDE, se vê nalgumas dessas bandas, e um devido contextualizar pra quem se iniciou no “rock” naquele momento específico.
Num outro espectro, vi uma forçação de barra do autor, no capítulo 4º (“Os rebeldes sem calça”), em querer contextualizar o punk no Brasil citando artistas primordiais ou “precursores”, e q tvz tivessem alguma aura ou conduta anti-social, ñ exatamente punk. Noel Rosa, Aracy de Almeida, Nelson Cavaquinho, Jovem Guarda, tropicalistas, Mutantes, “malditos” como Jorge Mautner, Jards Macalé e Walter Franco (ainda q reverenciados pelo Camisa De Vênus esses 2 últimos) e Joelho de Porco são ali descritos, no q se tvz se possa considerar um “bônus” do autor, dado a historiar tudo isso q resenhei de modo bem claro e direto, do q decorre uma leitura ávida e fluente, como poucas vezes fiz com o livro q fosse.
Terminei-o no dia seguinte e tenho, no mais, q em atuais tempos de internet (minúscula?) e de livros q às vezes vem se mostrando desncessários – por qualquer pesquisa menos superficial oferecer iguais ou melhores subsídios – este aqui como dos moicanos (oi!) q sobraram e resistiram. Mesmo q atualmente fora de catálogo (segundo o site da editora): tvz uma busca num sebo ou encontrá-lo nalguma promoção resolvam a questão. E ainda q o punk hj em dia tenha se tornado – ao menos em nosso mainstream – uma patética e pervertida formatação de música de corno com guitarras.
****
CATA PIOLHO CCVI, especial – “Til Death Do Us Part”: Exodus ou Deicide? // “Pleasures Of the Flesh”: Exodus ou Killing Joke? // “30 Seconds”: Exodus ou Therapy??