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“Commando – A Autobiografia de Johnny Ramone”, 2012, LeYa Editora
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Quão punk pode ser um punk?
Quão consagrados ficaram visuais, maneirismos e atitudes punk, como as calças jeans rasgadas, as jaquetas de couro, os penteados moicanos, as camisetas com o “A” de anarquia, o ódio ao sistema + engajamento político e a urgência em se manifestar?
Tirando a jaqueta de couro, os jeans e a urgência em se manifestar, nada disso fazia parte da vida de John Cummings, tornado famoso nos Ramones com cabelo tigela como Johnny Ramone. Sujeito q se ufanava de ter visitado a Disneylândia mais de 20 vezes e ostentava camisetas de personagens Disney em shows, Republicano assumido (tinha Ronald Reagan como o melhor presidente de todos), fora orgulhoso de ser um legítimo “americano”. No q isso implica de reacionarismo a toda prova, como em seu juízo negativo pero no mucho sobre a Guerra do Vietnã ou sobre o aborrecimento de se conversar com estrangeiros.
Nada disso surpreende a quem já leu outros livros e entrevistas, ou viu um mínimo de documentários, sobre a banda – sobretudo “End Of the Century” (documentário) e “Hey Ho Let’s Go – A História do Ramones” (livro de Everett True) – q, no mais, o pintaram sempre em tons negativos. É q ele ñ era bem punk, ainda q tenha formatado o estilo: os punks vieram depois.
Mas era. E era tb um casca-grossa de primeira, q ñ omite nesta autobiografia intimidações e agressões físicas a colegas de banda (sobretudo Joey e Dee Dee), adolescência maloqueira e perversa (de pequenos furtos e de televisões antigas lançadas de alto de prédios. Pelo barato de vê-las assustando os passantes), tampouco incidente provocado com spray de pimenta em pleno show da banda, nos 90’s (controlou-se, mas ñ deixou a psicopatia de lado). E q em “Commando” assume embates e impasses na trajetória, junto a bandas como Blondie, Talking Heads, Runaways (“uma banda de sapatas. Pelo menos umas duas eram”) e Red Hot Chili Peppers.
Li “Commando” no 11 de maio último em q o comprei, no modo “1 – 2 – 3 – 4” ramônico: em meras 7 horas dum sábado ocioso. E o livro oferece tal contraste em doses generosas: ao mesmo tempo curto e urgente, tanto quanto denso e preciso. Sem idealizações quanto à infância (descrita enxutamente e sem pieguices), nem quanto ao câncer q o acometeu (“não me interesso em dar exemplo quanto à doença”), a ponto de descrever treta com Marky, q o divulgou sem autorização – “ele está sempre em busca de qualquer atenção q possa obter” – ao mundo todo.
O Ramones era um orgulho: inúmeras vezes se gabba-gabba-hey disso no livro. Acho q até podia, por q ñ? Menosprezando, inclusive, todas as outras bandas, punks ou alternativas (Sex Pistols incluídos), com as quais ñ interagia: eram CONCORRENTES. E era tb um TRAMPO, seus integrantes eram sócios: sujeito ñ tinha nem guitarra em casa.
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Johnny era o gerente da bagaça, quem punha a engrenagem rodando, pouco se lixando pra discos (sobretudo após “End Of the Century”, quando se tocou q pra ganhar dinheiro o negócio era fazer shows) e pras doideiras de Dee Dee ou mimimi’s de Joey (“eu tentava gostar dele, falar com ele, mas então a coisa desandava. Ele era um pé no saco pra caralho. Então desisti”), q ao menos subentende-se terem tido tremenda liberdade criativa (já q ele mesmo pouco compunha). Chegava ao requinte de marcar uns shows “por fora” do management, pra gerar renda extra pra todos e tb pros roadies. Q punk no mundo repetia o mantra “dinheiro é bom”?
E se o livro e o documentário acima citados o pintam com as piores cores, tem-se aqui a SUA VISÃO de como as coisas aconteceram. Dignas de crédito, sem ranços, e numa franqueza admirável.
Maior parte confirmando incidentes e percalços, peregrinações pós-shows por lojas 7-11, recusas em tocar no Leste Europeu, ao passo q eventos como o casamento – em cartório e com flores de plástico alugadas – com Linda, ex de Joey e motivo de rancor deste até o fim (mesmo) para com o boss, acabam, a meu ver, soando mais verossímeis do q the kkk took my baby away. Parece q simplesmente eles (ele e ela) se afinaram, foram morar juntos (sendo q Johnny morava ainda com outra garota, aparentemente dispensada com parcimônia e descrição) e houve real preocupação em fazer tudo chegar a Joey dum modo q a banda ñ ruísse.
Se é o tipo de visão tvz conveniente das coisas (o livro saiu quando Joey já tinha batido as botas), tb ñ dá pra cravar. Mas me soou sincero. Como a sinceridade de ter escolhido (contra a vontade de Marky) um CJ Ramone recém-saído (desertado, pelo q soube) dos marines por vê-lo como sujeito “acostumado a obedecer”.
Os Ramones se aposentaram pq um dia “a música chegou ao fim na minha cabeça”, devido aos desgastes de anos, pq se deram conta do dever cumprido (em meio ao Lollapalooza e às bandas alternativas por eles influenciadas) e porque Johnny atingira a meta financeira q lhe garantiria um resto de vida confortável. Foi morar em L.A. com a esposa, onde ficou amigo – sei lá como! – de freaks of nature como Kirk Hammett, Eddie Vedder, Nicolas Cage, Lisa Marie Presley, Tim Burton e Rob Zombie.
“Commando”, em seu final, ainda oferece epílogos por Lisa Marie Presley (mórbido é a mãe) e Linda Cummings e uma preciosa sessão de análise álbum a álbum (menos dos discos ao vivo) por ele próprio, com direito a notas e entrega de desencantos e dalguns podres. Particularmente me decepcionou sua pouca consideração pra com os discos oitentistas (só “Too Tough to Die” pra ele era bom), mas alguns episódios, como o de ñ querer ficar esperando atraso do herói Pete Townshend, achei simplesmente impagáveis.
Aliás, se fizesse como fiz com a biografia do Tony Iommi, de citar melhores, mais emblemáticos, bizarros, engraçados ou controversos trechos, teria q citar a porra do livro todo!
Faltou ainda citar as fotos, várias autografadas a ele, de q fazia coleção (como tb cards de beisebol e ingressos de shows), incluída a dum certo Paul Ramon, além das listas de “10 mais” variadas – ha, me identifiquei! – e de melhores sons em cada álbum pra ele, e tb sua idolatria a Elvis Presley, mas o amigo Rodrigo Gomes tb recém-leu o livro e haverá de comentar a respeito. Haveremos de fazer. E tb cansei da resenha: darei uma de José Saramago e terminarei por aqui mesmo.
Leitura obrigatória e pronto. E ponto.
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CATA PIOLHO CCXVIII – quando da morte de Jeff Hanneman, Mille Petrozza (Kreator) se pronunciou, dizendo-se influenciado pelo sujeito e pelo Slayer. Nem precisava dizer: outro dia, praticamente confundi o início de “Reconquering the Throne” com o de “Temptation” no modo random do pen drive q levo pra ouvir no carro…
Ñ é q é assim idêntico, mas dá pra confundir.