Originalmente publicado em 7 de Novembro de 2004.
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SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA THRASH COM H
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“Blues For the Red Sun”, Kyuss, 1992, Dali Records/Warner
sons: THUMB / GREEN MACHINE * / MOLTEN UNIVERSE / 50 MILLION YEAR TRIP (DOWNSIDE UP) * / THONG SONG / APOTHECARIES’ WEIGHT * / CATERPILLAR MARCH * / FREEDOM RUN / 800 / WRITHE / CAPSIZED / ALLEN’S WRENCH / MONDO GENERATOR / YEAH
formação: John Garcia (vocals), Brant Björk (drums), Nick Oliveri (bass, vocals), Josh Homme (guitars)
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Quando, nos 90’s, o som alternativo e o grunge invadiram de vez as paradas, muito crítico órfão de bandas “vanguardistas” elegeu o Kyuss como a bola da vez. Ñ q ñ tivessem seus fãs e seguidores (os têm até hoje), mas “Blues For the Red Sun” ñ pode ser dissociado desse contexto. Q inclui ainda, no heavy metal, o momento em q a entrada no mainstream foi maciça: o ainda Metallica tocando no rádio e dividindo turnê com Guns N’Roses, Iron Maiden e Sepultura tendo vídeos mais votados no disk mtv, Pantera aparecendo como ‘banda perigosa’, e toda uma rabeira de bandas q tentava suavizar, adquirir influências (grunge, tecno) ou digitalizar o peso – Megadeth, Kreator (no “Renewal” – S.U.P. em nov/2003), Exodus, Annihilator, Anthrax (baixando fudidamente a bola no “Stomp 442”) etc…
Overkill e Testament, exceções, andavam ativos, mas meio sumidos. Nuclear Assault definhava, acabou; Destrúcho, às voltas com mudanças ridículas de formação, tb acabava.
Mas sobretudo ante os casos de suavização/digitalização sonora é q “Blues For the Red Sun” ganha vulto: nele abundam sujeira, barulho (muitos sons conduzidos pelo baterista no prato crash), distorção, pegada e baixa afinação – sem q a fórmula tivesse se tornado a baba hoje tornada com o new metal – num disco perfeito para chapados (“Yeah” é só o vocalista falando ‘yeah’ na última faixa, daí acaba o disco…), mas ñ só.
Devo falar q há muito ñ ouvia o disco, e me descepcionei um tanto ao redescobrí-lo. Pq ñ se trata dum precursor do stoner rock em absoluto – tvz o disco seguinte da banda, “Sky Valley”, mais polido, possa ser assim apontado – o q fez com q minha idéia de introdução de resenha tivesse q ser refeita, mas trata-se dum disco onde se percebe q limitações ñ precisam ser sinônimo de tosqueira e relaxo auto-indulgente (aqueles papos furados do tipo ‘ah, eu ñ toco nada, e já estou cansado de virtuoses no cenário, daí vou contra’).
Ñ é q os caras fossem uns pregos totais, mas pros muito acostumados ao heavy metal e suas convenções – harmonias e dissonâncias, e estrutação intro/base/estrofe/base/pré-refrão/refrão/intro/base… – soa até mal o disco, mas é daí q vem sua relevância e gosto em ouví-lo. Pq o q se tem, fora umas poucas canções no formato de canções – “Thumb”, “Allen’s Wrench”, “Writhe” (cujo vocal remete ao Danzig – S.U.P. reprisado em out/09), “Green Machine”, “Thong Song” (as duas últimas de clipes bastante exibidos no extinto Fúria Metal) – com estrofe/refrão, são vinhetas e sons mais experimentais (“Capsized”, surpreendemente acústica, mas ñ baba, “800”, “Caterpillar March” e “Molten Universe”) e viagens instrumentais calcadas em melodias repetitivas e partes q se seguem em progressão, nunca compartimentadas.
Explicando melhor o último trecho: sons como “50 Million Year Trip (Downside Up)” (ignorante de tão pesado, no início), “Apothecaries’ Weight” – meu preferido – “Freedom Run” e “Mondo Generator” parecem ter sido feitos bem em regime de jam sessions. Alguém puxou um riff, o repetiu à exaustão, até alguém surgir com alguma variação, dissonância ou outro riff a ver, sem maquinações racionais. Ou estruturação convencional. Dá até pra supor q ao vivo eles tvz os estendessem em loooongos improvisos. Aqui devem ter tido q contar/reduzir um tanto (pra caber no disco), mas soa tudo bem orgânico, psicodélico e sem concessões.
O Black Sabbath de sons mais viajantes, tipo “Into the Void”, “Solitude” e “Under the Sun” nem é tanto uma INFLUÊNCIA, mas sim uma REFERÊNCIA próxima, já q inexistem riffs memoráveis/grudentos da escola Iommi, ou o psicodelismo soturno da matriz: os caras provavelmente ñ queriam revisitar o Sabbath, como o doom metal e os tantos stoners contemporâneos, mas viajar e aturdir a todos com os sons falsamente improvisados.
“Freedom Run” tem trecho tornado fórmula no disco seguinte (em “Supa Scoopa And Might Scoop”), e na banda-herdeira Queens Of the Stone Age (formada por Homme e Oliveri): longos momentos de silêncio absoluto intercalado a paradinhas. E o instrumental, todo coeso, e de andamentos bem uniformes (lento mas ñ letárgico), ñ tem assim destaques individuais: mesmo quando a bateria aparece um pouco mais, como em “800”, ñ podemos chamar aquilo de solo. Assim como os vários solos de guitarra e de baixo presentes (vários riffs são puxados simultaneamente por baixo e guitarra).
Falando ainda em coesão, se o ouvimos distraidamente, várias vezes perdemos noção da mudança das músicas no cd, por vezes coladas umas às outras, ou por algumas servido de introdução às seguintes (“800” pra “Writhe”; “Molten Universe” pra “50 Million Year…”).
No fim das contas, pra mim, o Kyuss, banda cult assim tornada devido a seu fim quando tornavam-se mais conhecidos, situou-se, num vórtice interesssante entre o heavy metal, o grunge e o psicodélico: pouco técnico pro heavy metal, progressivo demais pra ser grunge (um prog-grunge?) e barulhento demais pra chamarmos ‘psicodélico’. Mas com todos os ingredientes combinados de modo ímpar e ousado. O q só reitera a intenção de recomendá-lo aqui no Serviço de Utilidade Pública Thrash Com H.
Ñ me recordo de nenhum outro disco pro qual a expressão “durma-se com um barulho desses”, tão pejorativa e contraditória, soasse tão de acordo como esse “Blues For the Red Sun”: barulho pra viajar, pra relaxar, pra se deixar levar.