TWILIGHT ZONE
por Leo Musumeci
Knotfest II (2⁰ dia), Allianz Parque, 20.10.24

Pra mim, o Knotfest sempre foi cercado de muita expectativa (até mais que o Summer Breeze). Primeiro, porque se tratava de uma das poucas bandas que eu realmente gosto e nunca tinha visto ao vivo. Depois, por achar que tudo que envolve esse show seria muito bem feito.
Eu diria que eu estava certo… ao menos, em 70% disso.
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Pra falar da organização, vou começar contrariando alguns sites da chamada “mídia especializada”, que têm criticado o line-up, dizendo que as bandas brasileiras ficaram secundarizadas em relação ao palco principal.
De fato, existiam 2 palcos, e o palco em que tocaram as bandas nacionais era bem menor que o principal. Porém, em nada isso atrapalhou! Pelo contrário! Para as bandas – à exceção, claro, do Ratos de Porão no dia anterior, que, pelo que eu entendi, foi mesmo um problema técnico – foi muito melhor que os festivais que têm palcos alternados e programação simultânea, pois elas tiveram a garantia de ter o público inteiro (mais de 30.000 pessoas) podendo ouvir e assistir. Nada de colocar o Troops Of Doom no mesmo horário do Mercyful Fate pra 2 familiares e 3 brothers. Não entender isso é não entender nada.

Outro ponto que eu acho que vale a pena conversar é sobre a venda de ingressos. Claro que 2 dias de festival é uma aposta arriscada – embora eu particularmente ache que um dia seria muito pouco. O que percebi é que a venda não chegou à lotação máxima. Eu, por exemplo, comprei ingresso na arquibancada superior, que é coberta, mais alta e um pouco mais distante do gramado. Pois elas sequer foram abertas. Todo mundo que tinha ingresso para arquibancada superior foi para inferior. O que fez com que esse anel ficasse bem cheio (não lotado) e eu pudesse sentar na segunda fila.
Ótimo, porque economizei R$200,00 (na verdade, R$100,00 porque sou, de fato, estudante)? Nada disso! Uma porcaria, porque, se tivesse pago mais caro, ficaria bem puto! Essa coisa de mexer em preço de ingresso depois que uma primeira parte das pessoas já comprou, aliás, tem se tornado uma prática corrente nos shows.
Não tem nada melhor pra deixar as pessoas bravas que se sentirem feitas de idiota. Continuem assim.
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Falando especificamente dos shows, meu primeiro destaque vai para a pontualidade. Embora não seja nada mais que o devido, é digno de nota: TODOS os shows começaram exatamente no horário. Quando eu cheguei, a banda que estava no palco era o Papangu, uma banda de João Pessoa que trabalha no limite entre o regionalismo do maracatu, do forró, do rock progressivo e do metal brutal, com bastante alternância de vocal e, por vezes, um caráter experimental.
Particularmente, não sou fã desse tipo de som. Embora reconheça o valor que tem, me parece misturar um pouco de tudo e não ter cara exatamente de nada.

A banda seguinte a entrar no palco foi o P.O.D, uma banda que surgiu na virada dos anos 90 para 2000 de New Metal, fazendo um som bem característico daquela época mas com letras cristãs (fico com a boa definição do Marcão, de nu metal gospel).
Sinceramente, nunca foi uma das bandas que mais me atraiu no nu metal, e ouvindo hoje, me pareceu até um pouco datada. Mas, claramente, tem uma base cativa de fãs, bem a fim de ver os caras (que eu, sinceramente, tenho dúvida se sabe desse caráter religioso, mas não sou sommelier do gosto alheio).
No fim, eu até entendo o saudosismo. Só não com o P.O.D. (Rs). Aliás, uma das cenas mais constrangedoras que já vi em show foi a banda tentar fazer o público cantar “Ole! Ole! Ole! Ole! P.O.D.! P.O.D.!”… Sério: poderiam não ter passado essa vergonha no crédito.
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Depois foi a vez do Korzus entrar no palco, já que não era dia de supermercado. Eu tenho que admitir: no começo dos anos 2000, o “Ties Of Blood” era um dos CDs que eu mais gostava. Acho a levada dele excelente, os riffs muito bons, e a própria cadência do vocal bem marcada dá uma dinâmica massa – principalmente, se tratando de inglês cantado por brasileiro. Entretanto, não é de hoje que o Korzus caiu no meu conceito. Provavelmente, faz tanto tempo quanto estão para lançar o próximo CD.
E, por falar em tempo, é visível que os caras pararam no tempo. A bandeira ao fundo era de 2004. Tocaram 6 sons, sendo 3 do próprio “Ties Of Blood” e 3 do último CD, de 2011, e, dos 30 minutos que tinham, perderam quase 10 com brincadeirinhas no palco – e pior, com brincadeiras antigas de tiozão do pavê, que nem cabe nos dias de hoje. O exemplo de vergonha alheia foi pedir para as mulheres cantarem primeiro e depois os homens, que claramente são maior número e, obviamente, seriam mais barulhentos.
Eu espero que eles tenham tido a decência de esperar o show do Black Pantera para ver como se interage com o público.

E como cada banda abre para a banda que merece, na sequência do Korzus veio o BabyMetal. De cara, antes mesmo de entrar no estádio, eu já tinha ficado muito impressionado com a quantidade de camisetas da banda nas cercanias.
E fiquei realmente chocado, porque não estava entendendo do que se tratava. Cheguei até a pensar que fosse uma espécie de Massacration oriental (e talvez não tenha entendido até o final do show porque, quanto mais eu via, mais me parecia satírico). Pra quem não conhece, é um trio de meninas vestidas de cavaleiro do zodíaco psicodélico, numa pegada de k-pop, fazendo dança de axé, com vocal gutural alternando com um agudo estridente e um instrumental tocado por uma banda de mascarados, que por vezes era bem boa, mas, pra mim, era impossível dissociar daquilo que se via.
Eu realmente fiquei impressionado, mas isso certamente reflete uma dinâmica de redes sociais que eu, pessoalmente, não acesso e tenho muita dificuldade de compreender um certo grau de dissociação. É o metal tiktoker, como o Marcão chamou. Não à toa encheu mais um show na Audio no dia seguinte.
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Depois do BabyMetal, veio o Seven Hours After Violet, banda do baixista do System Of A Down, Shavo Odadjian. A banda faz um new metal quase tão pesado quanto seu vocalista (isso, naturalmente, é uma piada e um elogio que, talvez, não caiba, mas que é muito verdadeiro). Aliás, o vocal tem que ser ressaltado: competentíssimo, com excelente variação e postura de palco, e gutural grave muito forte. Acompanhando um instrumental que não deixa dúvidas de que tem a mão do SOAD no meio. E, para completar, John Dolmayan, o baterista do SOAD, ainda subiu no palco na última música para tocar um cover de “Prison Song” que fez um baita sucesso.

Depois deles, veio o melhor show da noite, disparado, Till Lindemann. É impressionante o quão performático é esse cara. Aliás, esse talvez seja o elo que ligue todo o line-up Se alguém tentar buscar uma coerência musical, certamente vai quebrar a cabeça e talvez morrer tentando, porque a linha que conecta todas essas bandas, a meu ver, é a da performatividade.
Todas são bandas que entregam shows de verdade, que tem um trabalho de palco muito interessante, músicos que sabem o que fazer lá em cima, e um envolvimento com o público gigante. Para minha surpresa, tinha muito (MUITO!) menos gente lá para ver o Till Lindemann que o BabyMetal. Aliás, no meu entorno, acho que só eu conhecia a letra das músicas. A maioria das pessoas ou estava se recompondo do BabyMetal, ou tinha ido comer/beber alguma coisa, ou simplesmente não estava dando a mínima mesmo. Uma pena, porque se tivessem olhado para o palco, teriam visto uma catarse em vermelho.
Com a banda toda formada por mulheres, à exceção do baixista, vestidas em trajes com alto grau de sexualização, ele flerta o tempo todo com a linha da insanidade, depois de passar em muito a do bom senso (quem não conhece, sugiro dar uma olhada nas letras. Qualquer uma, pode escolher!). Aliás, me ocorre que Till Lindemann pode até não ser o cara por trás de toda a performatividade do Rammstein, mas certamente é dele que vem boa parte da dose de loucura.
A parceria com Peter Tägtgren nos primeiros álbuns certamente resultou nas melhores músicas do set, com uma diferença gritante. Mas, mesmo nas outras (que acho menos boas), o show fluiu bem. Aliás, no telão, o nome de Till se alternava com uma única palavra, “censurado”. Curto, rápido e explícito, como deve ser.
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Eis que entra no palco o Ego Kill Talent, banda de Jean Dolabella, mas que tem na vocalista e na baixista seus maiores expoentes. Sinceramente, me parece que falta uma certa linha no som da banda ou um produtor que dê uma cara. Parecem flertar com todo tipo de possibilidade comercial. O som acho longe de ser ruim, mas saí preferindo o LP ao show ao vivo, ainda que a energia fosse alta.
A penúltima banda gringa a entrar no palco, o Bad Omens, me chamou a atenção desde o anúncio do cast. Suas músicas não são homogeneamente boas, mas as que são, são excelentes. Além disso a banda tem um fortíssimo investimento estético, por vezes minimalista. A sonoridade, difícil de definir, é usualmente descrita como metalcore, mas, na minha humilde opinião, vai muito além disso.
Cheia de samplers, baterias rápidas contrastando com a voz cadenciada, extremamente bem colocada, mesmo nas músicas que eu não gosto. Fazem uma espécie de techno death emo com refrões pegajosos, letras ótimas e pronúncia muito boa. Foi mais uma banda que tinha muitos fãs. E, apesar de vários momentos bons corroborados pelo trabalho de imagem no telão, o ponto alto do show pra mim foi “V.A.N.”, a música cantada em parceria com a Poppy, que me fez ter vontade de ter chegado um pouco antes para assistir seu show.
Última banda brasileira do cast, já exaustivamente resenhada neste blog, o Black Pantera mostrou (alô, Pompeu!) como se faz um show. É uma banda efetivamente contemporânea, conectada em tudo com uma visão atual e futura de sociedade. É uma banda que a cada música mostra saber como interagir com o público, seja incentivando rodas só de mulheres, seja pedindo para que a plateia acendesse as luzes dos celulares A banda entrega muito no palco. Também já falamos aqui que, se fosse possível, talvez uma guitarra mais elaborada ajudasse a melhorar muito a banda e deixar no nível da bateria e do baixo.
Para mim, os pontos menos bons (não ruins!) do show ainda são as músicas à la Charlie Brown Jr., que funcionam com o público mas, a mim, particularmente não pegou. Certamente é uma banda para ficar de olho. Como eles mesmos disseram, há dois anos, estavam abrindo o festival. E domingo foram a última banda brasileira da noite. Aliás, em um dos primeiros shows da tarde, na minha frente, o baterista passou e subiu até a arquibancada porque uma fã pediu para tirar a foto. (Foto acima).
A conexão desses caras com o público é algo impressionante, coisa de quem não esquece de onde veio.

Por fim, o último e mais esperado show da noite era o do Slipknot. É impressionante que uma banda consiga ter seu próprio festival em tempos como esse. Mas, de fato, pela própria recepção do público, é muito fácil perceber a razão. Ainda que bandas antigas, mais consolidadas, e com forte apelo comercial, como Metallica ou Iron Maiden, encham estádios e levem até mais gente para os shows, nenhuma consegue personificar a marca tão bem quanto o Slipknot.
Cada passo – ainda que estejamos falando de caras com claras e declaradas questões psicológicas – parece ser mínima e comercialmente calculado.
Inclusive a entrada de Eloy. Se a chave do Slipknot é a personificação, Eloy entendeu isso muito bem e, ao menos no show do Brasil, foi elevado à categoria de herói nacional. É completamente absurdo o impacto que tem no público. Naturalmente, o fato de ser incomum ver músicos brasileiros em bandas estrangeiras (vide o sucesso que Kiko Bola Quadrada fez no Megadeth), é surpreendente quanto o público ovaciona Eloy.
Muito mais que o próprio Slipknot.
Aliás, ele provavelmente alcançou um lugar que nem mesmo qualquer integrante do Sepultura chegou. O Sepultura, como banda, certamente foi mais longe do que ele individualmente, mas nenhum de seus membros sequer passou perto do grau de idolatria que ele já conquistou. E ele não deixa por menos: está tocando ainda mais rápido, mais insano, mais complexo, muito mais virtuoso e MUITO mais bruto do que na época de Sepultura. Com todo o respeito a Grayson Nekrutman, sim, o Sepultura perdeu muito.
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Falando do show especificamente, era um show sui generis, de celebração do 25º aniversário do disco de estreia, homônimo. E Corey logo avisou no começo do show que não se tocaria nenhuma música composta depois de 1999.
Claro que uma pessoa como eu, que estava vendo os caras pela primeira vez, adoraria ter assistido a banda tocar seus maiores sucessos. Mas não era e nunca foi essa a proposta do show de domingo (ainda que, em algum momento, tenha circulado que tocariam o “Iowa“, meu preferido, e não o “Slipknot”). Por outro lado, assistir o show do primeiro álbum permite entender por que o Slipknot é como é, e como foi pensada essa composição da própria banda. Por vezes, eu mesmo achei o número de músicos excessivo. Mas, quando se vê os caras no palco, e, sobretudo, tocando só o primeiro CD, fica perceptível o projeto e como cada integrante tem um lugar – ora no som, ora na performance.
Há uma grande teatralidade no show do Slipknot, ainda que caótica. O público, sobretudo esse acostumado a ir pra show pra assistir a um dvd ao vivo, preferiria uma repetição do sábado, quando a banda tocou seu set de turnê. Por isso, achei que, muitas vezes, as músicas não tiveram a recepção devida. Foi gritante a diferença de quando eles tocaram “Wait and Bleed”, maior sucesso do álbum.
Entretanto é preciso entender onde se está. Ao fim e ao cabo, fiquei bem satisfeito. O Slipknot realmente entrega o que promete. E ao final, Eloy foi amplamente ovacionado. Não imagino o que foi a noite desse cara.
Por fim, a quem interessar (embora acredite que serão poucos), deixo uma playlist do Spotify com todas as músicas que foram tocadas no segundo dia do festival – ao menos aquelas que apareceram listadas nos setlists: https://open.spotify.com/playlist/40stz9uwREX2DNjJj3eWsN?si=04c8a7fdcefa4569