2 CLIQUES
por märZ
Me deram de presente uma assinatura do tal Spotify. “Tem tudo com somente 2 cliques!” – me disseram, entusiasmados. Aceitei, testei, realmente é uma mão na roda (se você não se importa em ouvir música via celular) e me acompanhou numa recente viagem à Bahia. Me fez refletir também em como as coisas mudaram desde que comecei a ouvir música a sério, como fã de “rock pauleira”.
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Havia muito pouco disponível em 1985. Desse pouco, menos ainda chegava na minha pequena cidade. E desse pouquinho, tínhamos acesso a menos ainda. LPs eram caros, conhecia raríssimos fãs desse tipo de música e qualquer coisa que chegava aos meus ouvidos era ouro. Mesmo se fosse porcaria.
Ficava namorando as capas de discos na loja, deslumbrado com a arte. Ozzy, Dio, Maiden, Whitesnake, AC/DC, Kiss. Era fascinante, era perigoso, era… quase proibido. Não era bem visto pela sociedade majoritariamente católica conservadora da época. Nossas mães odiavam, o que aumentava ainda mais a vontade de ter e ouvir. Mas eu nem toca-discos tinha, somente um 2×1 portátil onde ouvia as duas rádios FMs locais e gravava fitas toscas sempre que rolava alguma música legal na programação. Invariavelmente, perdia o começo de todas. E foi nele que passei muito tempo ouvindo as fitas que gravava de amigos. De LPs ou outras fitas, que eram reproduzidas dezenas de vezes, e mal se ouvia o que estava tocando.
“Esse é o Dio“, “Sério? Tem certeza que não é o Ozzy?”
Alguém tinha alguma fita com “Piece Of Mind”, outro ganhou o LP “Powerage” de aniversário – “pode me emprestar pra eu gravar na casa do tio de um amigo?”. Já outro tinha “um rockão, cara, você vai pirar!”. Era Ted Nugent. Gravava tudo que colocava as mãos. Se alguém dizia que tinha um amigo no bairro tal que comprou o “Kiss da capa azul”, você perguntava o nome e que ônibus pegar até lá. Saía de casa num sábado antes do almoço, pegava 2 ônibus pro tal bairro, subia um morro, passava a caixa d’água municipal e ia perguntando: “você conhece um tal Vitor que mora por aqui?”… até achar o cara.
Batia a porta, se apresentava e explicava. “Sim, tenho um disco do Kiss, mas não empresto nem gravo porque meu cabeçote tá fudido”. Voltava pra casa de mãos vazias. Quantas vezes passei por algo parecido…
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E havia o tal Metallica, de quem ouvíamos falar o tempo todo, mas ninguém tinha ouvido, muito menos tinha algo físico. Todo novo amigo metaleiro que fazia já perguntava: “já ouviu Metallica?”. A resposta era sempre negativa. Tinha gente que pensava que era banda brasileira, por causa do nome com grafia e fonética meio latina. Demorou um tempão até conseguir ouvir algo deles. Um amigo de um amigo de um amigo veio dos States e trouxe uma coletânea caseira em fita, sem capinha, sem nomes de bandas ou músicas. “Ele falou que tem duas músicas do Metallica aqui!”. Ouvimos com atenção e aparentemente as identificamos, pela descrição que líamos na revista Metal.
“Porra, som massa! Metallica é foda!”
Aconteceu que as duas músicas que ouvimos por meses achando que era Metallica, na verdade era English Dogs. “Fight Fire With Fire” e “Ride the Lightning” passaram batidas aos nossos inexperientes ouvidos metálicos.
O começo foi assim, depois foi aos poucos mudando. Mais discos foram lançados no mercado brasileiro, mais fãs foram aparecendo, o metal ficou popular por aqui. Era difícil mas era legal. Bons tempos aqueles, em que eu tinha 8 ou 10 álbuns gravados em fitas cassete e ouvia a mesma coisa, over and over, até literalmente gastar (ou arrebentar) as fitas.
“Minha fita do ‘Metal Heart’ já era, me empresta a sua pra eu gravar de novo?”
Foi um longo caminho até os modernos “2 cliques”, mas fico feliz de ter testemunhado tudo de perto.