MÁQUINA MALDITA
por märZ
Comprei a peso de ouro o livro “Damn the Machine – The Story Of Noise Records”, lançado em 2017, e estou um pouco além da metade de suas 480 páginas. Para quem acompanhou a evolução das bandas do selo, é um prato muito saboroso e salpicado de nostalgia. Alguns detalhes:
Karl Walterbach, o idealizador e fundador do selo, veio do meio punk rock e já tinha um selo que lançava bandas punk alemãs. Com a falência do gênero na virada da década de 70 para 80, Karl começou a procurar qual seria a nova onda e identificou no metal sua próxima empreitada, fundando um selo e procurando bandas para assinar. No começo, baseado no que lia em revistas de metal da época, tentou assinar com bandas que se encaixavam no estilo hair metal, pois parecia ser a tendência em voga. A primeira banda a levar o selo “NOISE” na contracapa foi o desconhecido Rated X, que tocava um hard rock pendendo para o glam e não vendeu nada.
Quem deu a dica a Karl que havia um novo estilo híbrido de metal com punk chamado thrash metal foi o guitarrista do Black Flag, sua banda preferida. Anúncios foram colocados em revistas alemãs e lojas de discos, e moleques cabeludos com bandas toscas começaram a surgir aos montes, com suas demos mal gravadas e cinturões de balas.
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Karl e Tom Warrior se odiavam, e o disco do Hellhammer era tão ruim que virou uma piada na indústria e no meio metal, quase comprometendo o potencial do então jovem selo. A má fama da banda era tal que Tom decidiu mudar o nome do grupo para o que seria o segundo disco e então nasceu o Celtic Frost. Com o eventual sucesso da banda, o dono do selo, que não gostava de metal e só tinha olhos e ouvidos para o potencial de mercado, deu total liberdade a Tom e sua banda para fazerem o que bem entendessem em estúdio, o que gerou o aclamado e experimental “Into the Pandemonium” e, mais tarde, o equivocado “Cold Lake”.
Helloween eventualmente se tornou o best seller da Noise e foi o carro-chefe quando da assinatura de um contrato de lançamento e distribuição com a CBS/Epic. Como públicos europeu e americano tinham gostos diferentes, o que vendia em um continente não necessariamente dava certo no outro. Por exemplo, Running Wild era gigante na Europa, perdendo somente para a banda de Kai Hansen em termos de vendas, mas era odiado e ridicularizado nos EUA, onde nunca vingaram. Aliás, bandas como Running Wild, Helloween e mais tarde o Gamma Ray nunca fizeram questão de excursionar pela América do Norte, pois o custo das turnês eram muito altos e não alteravam em nada as vendas naquela região.
Para minha surpresa, um dos primeiros grupos a assinar com a Noise e que foi um enorme sucesso de vendas na Europa foi o Grave Digger, e só não tiveram uma carreira melhor sucedida porque decidiram mudar de estilo e nome, o que deu tremendamente errado e acabou com a banda em seu terceiro disco.
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O Kreator era um trio amador de moleques que mal sabiam tocar e seu guitarrista/vocalista Miland Petrozza, um adolescente de 16 anos tímido e impressionável, que foi totalmente guiado por Karl em termos de como soar e se vestir. Até o nome da banda, que antes chamava Tormentor, foi escolhido pelo dono do selo e seus músicos foram informados disso por telefone dias antes de entrarem em estúdio para a gravação do que seria seu primeiro álbum. Mais adiante, “Extreme Aggression” foi o primeiro álbum do selo lançado nos EUA e resto do mundo devido ao contrato com a CBS/Epic, que logo depois foi absorvida pela Sony. “Keeper Of the Seven Keys I” foi o segundo. Até então, todos os álbuns do catálogo Noise chegavam aos EUA como importados.
Tankard era outra banda de moleques e o que os diferenciava era que nunca tiveram pretensão de serem músicos profissionais. Desde o começo deixaram claro que manteriam seus empregos regulares e a banda seria um hobby. E assim tem sido há mais de 30 anos. Coroner foi indicação de Tom Warrior, e por um curto tempo fizeram algum barulho no meio, tidos como “o novo Celtic Frost“, que havia fechado as portas devido ao fracasso de “Cold Lake”. Mas sua recusa em deixar a Suíça, aliado a mudanças de mercado no começo dos anos 90, pôs também um fim ao trio tecnothrash.
Nenhuma dessas bandas da primeira geração Noise viu dinheiro algum: todas assinaram contratos onde basicamente o dinheiro das vendas ia todo para as mãos de Karl Walterbach, e eventualmente os grupos sobreviventes deixaram o selo. O ponto do livro em que estou agora começa a descrever a segunda leva de bandas do cast da gravadora, e nomes como Blind Guardian começam a dar as caras. Talvez não seja mais tão interessante para mim, por isso decidi escrever este texto agora.
Uma pena que esse livro só saiu na Alemanha e EUA, pois é bem interessante para os fãs dessa geração do metal.
Marco Txuca
10 de julho de 2019 @ 04:02
Pô, q puta livro! Desnecessário pensar q jamais será traduzido…
Considerando a capa e a bizarrice de ser uma banda canadense lançada por um selo alemão improvável, o q dizem do Voivod nisso tudo?
märZ
10 de julho de 2019 @ 08:16
Voivod lançou seu primeiro album pela Metalblade, e também por recomendação de Tom Warrior, assinaram com a Noise do segundo pra frente. Em termos de vendas nos EUA, estavam em terceiro, atrás do Celtic Frost e Helloween, campeões disparados. Na Zooropa, os best sellers eram Helloween, Running Wild e Celtic Frost. Kreator ocupava a quarta posição em ambos os continentes.
Eu estranhei a ausência de nomes como Destruction e Sodom, e só lá pro meio do livro foi mencionado que essas duas bandas eram na verdade do selo SPV/Steamhammer, que nasceu quase que paralelo ao Noise. Eu havia me esquecido disso.
Uma briga judicial em 1989/90 da Noise com a EMI pelo Helloween quase acabou com o selo e a banda. Custou milhões a Karl, que por quase 2 anos ficou somente envolvido com isso e deixou de garimpar novas bandas ou dar atenção às que já tinha, e colocou o Helloween na geladeira, proibido de excursionar e gravar qualquer coisa pelo mesmo tempo. Com isso, Kai Hansen decidiu de vez sair e o baterista Ingo começou a se envolver com drogas e beber muito, o que gerou sua demissão e suicídio menos de 2 anos depois.
märZ
10 de julho de 2019 @ 08:27
Outro detalhe pitoresco é que dessa primeira geração de bandas da Noise, NINGUÉM falava uma palavra em inglês. O escritório mantinha uma tradutora bilíngue para revisar todas as letras. Nem o Voivod, canadense da parte francesa, falava inglês. Inclusive, a Metalblade desistiu de um segundo contrato após “War And Pain” devido à comunicação quase impossível com os 4 integrantes. Ninguém tinha empresário, por isso assinaram contratos ridículos e abusivos, onde a Noise bancava a gravação mas ficava com tudo depois.
Marco Txuca
10 de julho de 2019 @ 11:57
Cacetada. Se parecia bom, agora parece livro obrigatório.
No documentário sobre o Coroner (q, aliás, falam alemão), naquele box q TODO MUNDO AQUI deveria ter, Karl fala um monte e são admitidos ao menos 2 impasses com o sujeito:
1) a capa do “Punishment For Decadence”, como a conhecemos, ñ era a idéia original da banda. Karl vetou a arte original (uma pintura alemã) e impôs a q se impôs:
https://www.metal-archives.com/albums/Coroner/Punishment_for_Decadence/489
parece q no relançamento, saiu como queriam, mas tb sem consentimento dos caras
2) quando estavam gravando “Grin”, estavam demorando muito. Era autoproduzido e Karl deu lá um prazo ou apressou as coisas pra q fizessem o álbum duma vez pra ñ gastar mais dinheiro com estúdio
Ainda assim, parece uma pressão q funcionou. Pois é a melhor produção dos caras e o disco mais experimental
3) a banda tinha acabado, mas precisava cumprir contrato. Tommy Vetterli se virou em lançar “Coroner”, álbum (foda) com inéditas (7 inéditas, sendo duas vinhetas + 1 cover), remixes e músicas antigas, numa semi-compilação, semi-álbum novo.
Sem Marky e Ron
https://www.metal-archives.com/albums/Coroner/Coroner/502
Marco Txuca
10 de julho de 2019 @ 12:05
E dá pra entender completamente a treta e o racha no Helloween. Fase EMI: “Pink Bubbles Go Ape” (q comprei ontem) e “Chameleon”… Mal excursionaram, ñ vendeu, daí sai o Kiske.
Q lançou disco solo pela EMI depois. Weikath e Grosskopf foram se virar. Por outro lado, Kai Hansen parece ter tomado partido do Karl, pois o Gamma Ray assinaria com a Noise…
Jessiê
10 de julho de 2019 @ 15:15
Achei a porra toda sensacional, menos a parte que dificilmente terá tradução.
Txuca Pink Bubbles é o álbum mais divertido da horda. Chameleon é horroroso.
märZ
10 de julho de 2019 @ 16:44
Sobre o “Pink Bubbles”, Kiske e Weiki dizem que foi um disco completamente equivocado. Ficaram muito tempo parados, perderam a mão, não se entendiam e ainda ficaram sem um dos principais compositores, Hansen. E além de tudo, a EMI impôs Chris Tsangarides como produtor, que não entendia a proposta da banda nem deu espaço para que viajassem muito nas ideias. A banda queria o mesmo produtor de “Keeper II” mas foi vetado.
Hansen era o único da banda que tinha alguma identificação com Karl, mas mesmo assim só assinou com a Noise no Gamma Ray por obrigações contratuais. Mas acabou dando certo pois haviam recentemente fechado um contrato com a JVC japonesa, onde o Gamma Ray se fez no ano seguinte.
Marco Txuca
10 de julho de 2019 @ 19:13
Estive ouvindo ontem (na verdade, reouvindo depois de muito tempo) o “Pink Bubbles” e ainda acho um discaço. Evolução. Melhor da “fase Kiske” pra mim.
Apesar dos atropelos de bastidores, músicas maduras e bem produzidas. Se funcionava ao vivo, já ñ sei. Kiske é autor de 4 sons, fez solo de guitarra em um (ñ lembro qual) e escreveu outras 4 letras. Sobrou na bagaça.
“Chameleon” tentou ficar ainda mais pop na seqüência e fiascou. Mas a versão dupla, com o 2º cd contendo as sobras, achei do cacete.
märZ: mesmo ñ curtindo Blind Guardian e as bandas de segunda leva, se tiver tempo peço uma “parte 2” disto!
Leo
11 de julho de 2019 @ 10:54
Parabéns pela resenha, märZ!
Do caralho mesmo!
Jessiê
11 de julho de 2019 @ 12:20
Tem um vídeo ao vivo Live in Colony acha fácil no tube da época do pink. Eu acho sensacional. Tem uns lances muito engraçados. Cabelo enrolando na guitarra, letras esquecidas, mas é Duca.
FC
11 de julho de 2019 @ 12:52
Fiquei curiosíssimo pelo livro, parabéns pela resenha.
Sobre o Pink Bubbles, acho, no máximo, mediano. As músicas que gosto (“Kids of the Century”, “Mankind”, “Going Home”, “The Chance” e “Your Turn” e “Number One”) ficam muito abaixo dos trabalhos anteriores.