ARMAGEDDON METAL FEST 2019

por Jessiê Machado

Joinville, Expoville – 01.06.19

Apesar de ter já uma pá de anos que estou erradicado no Sul (primeiro em Curitiba, definitivamente em Joinville), não estou muito inteirado com a cena metálica joinvilense, já que aqui potencialmente todo mundo é banger e em toda esquina tem um Varg Vikernes, além de toda mulher – de menina a vovó – ter piercings por todo lado e tatuagens (muitas) nem um pouco amistosas (nada de florzinhas e afins), além de ruivas (naturalíssimas) de olhos verdes, em botas altíssimas com sobretudo preto…

Pelo que fiquei sabendo, foi o primeiro evento deste porte na cidade, mas Santa Catarina tem outros festivais (um bem conhecido é em Rio Negrinho, aqui próximo) e o Sul, desde que me entendo por gente, tem uma forte cena de metal extremo, principalmente Black Metal e afins.

O lugar escolhido é muito próximo da minha casa (paguei 6 reais no Uber à uma da manhã pra voltar): um parque “público” terceirizado, onde tem um complexo para eventos e praticamente todos os finais de semana rolam eventos como feiras, festas temáticas e até mesmo casamentos e aniversários de abastados (nos salões menores). Mas é também onde levo meus filhos aos finais de semana para andar de bike. Prosaico, sossegado, seguro e bem cuidado.           

***

Fui esperando aquela “turma do barulho” com camisetas do Guns/Ramones estilizadas e, ultimamente, também do Motörhead. Tentei também não ter spoilers das bandas. Paguei o ingresso (170 reais na porta + 1kg de não perecível) e fui de peito aberto para 12 – doze! – horas de metal prometido. Mas não me deparei com tais vestimentas: a maioria era composta por thrash oitentista de segunda e terceira divisões e death/black. Nada de Sepultura, Metallica ou Iron Maiden. Estava tranquilo com a minha “Slayer” de estimação.

Cheguei às 14:10, com facilidade de estacionamento e na entrada me espantei em saber que o show já havia começado com o Violent Curse (só consegui saber nos agradecimentos, pois o logo não permitia entendimento para incautos) de São Bento do Sul, cidade vizinha, com umas 200 pessoas – talvez mais – assistindo. Thrash metal oitentista, como o nome entrega, meio acanhados e perdidos no palco, com umas atravessadas, microfonias e afins. Mas um som honesto e dentro da proposta. Achei válido e teve minha atenção. Se divertiram e teve uma galera na frente retribuindo. Foi rápido: 30 minutos (e perdi 10). Acabou e desci – o show ficava no 1º andar, com uma grande escada, mais escada rolante e elevador; ótima acessibilidade e vários cadeirantes, muletantes e afins – para comprar a primeira cerveja.

Por falar em cerveja: aqui não existem ambevianas, na verdade até que existe mas não faz a cabeça da galera: o esquema é chopp artesanal e cervejas regionais, no caso a ótima Opa (“vovô” em alemão). A Opa era 6 reais e o chopp ardidos 12, apesar de que era ótimo e muito forte. Optei pelo chopp no início.

***

Subi e já tinha rolado uns 10 minutos da segunda banda; aí fui entender que não tinha intervalo entre os shows, pois como eram 2 palcos (um ao lado do outro, sem distinção de tamanho ou importância), acabava um e emendava o outro. Putz!

A banda era a curitibana Semblant, que no início não curti (death metal melódico com vocalista feminina atraente e vocal masculino fazendo contraponto), mas na 3ª música melhorou demais, com o vocalista simpático e a mina performática, em dancinha pra lá de sensual nos riffs e solos e bom timbre. Curti bastante e é nítida a experiência, a comunicação com o público e o preenchimento do palco com 7 pessoas duma forma natural e que fluía. Me interessei, e no espaço das lojinhas tinha muito material à venda (cds, moletons, bandanas, vinil) e pra minha surpresa tinha participação do David Ellefson (não lembro se era a produção) e do selo dele. Não comprei nada (40 pilas o cd), mas me interessei.   

Veio o Symmetria (daqui de Joinville) com um som mais pro lado do melódico (não tipo Angra, mais pra Helloween old) e o vocalista me lembrou o Dio no jeito de cantar, entonação e até no estilo, quando leva o primeiro e único (que ouvi) cover da noite, “Heaven And Hell”, que me fez ficar cantando no íntimo a noite toda, atrapalhando a concentração. Tudo muito morno, que refletia na galera, exceto no cover – e mais pela música que pela execução.

Na seqüência, outra local: Flesh Grinder. Banda que vem desde os anos 90 com um grind Carcass old, rápido, brutal e puro gore. No início, achei tudo tosco e embolado (talvez até como proposta mesmo), mas engrenou e foi a primeira banda que pôs a galera para ‘dançar’ e o negócio começou a tomar jeito e ficar animado. Peguei uma cerveja na animação. Não é meu som, mas foi divertido.

***

Aí veio o paulista Huey, que nunca tinha ouvido falar e com uma proposta ousada, um som trampado com 3 (três) guitarristas, com toques de Helmet, prog e vez ou outra me lembrando a estrutura das músicas do Opeth (bem de longe). Fiquei esperando vocal entrar para ver como soaria, já que o som tava massa e… nada. Instrumental!!! Me deu uma broxada, mas é legal, só não teria saco para um hora de show. Não é minha praia. Me desinteressei rápido, mas curti hahaha

Como levei meu filho de 5 anos, ele também se encheu do instrumental e pediu para comer. Descemos e enquanto esperávamos a batatinha, ele me laçou questões filosóficas tais como: “por que nem todos estavam de preto? (como ousam?)”, “por que roqueiro usa cabelo comprido?”, “por que tinha flores lá se era um show de metaal, que é a música das trevas?”. Ele se encheu e, junto com a batatinha, pediu para ir embora. Entre ligar para a mãe buscar e ficar esperando ele comer, perdi uma pá de bandas, como o tal Tuatha de Danann, que nunca ouvi mas odeio.

Mas ouvi um cara reclamando que a galera do metal é incompreensiva e fica de longe olhando com desprezo, e nem para fazer uma roda folk… Putz! Que bom que eu perdi.

Quando subi os paranaenses black metal Blackmass (corpsepaint e tudo) já tavam detonando Jesus Cristo e afins, rolando odes a Satanás entre a galera (tinha muuuita gente curtindo), mas tudo meio discreto. Galera do black metal é muito instrospectiva e espiritual, ao que parece. Pelo pouco que ouvi, foi até legal.

***

Daí eis que o negócio ficou sério com a trinca The Mist, Gangrena Gasosa e RDP. Foi animal, insano, excruciante. Fiquei morto, esgotado. E impressionado com o The Mist, muito bom o show. Porrada! Rápido, excelente conexão com a galera e o pau quebrou na roda. Curti tanto que vou me atualizar com o som dos caras. Bem ensaiado, bem tocado e, ao que parece, era a estréia do baixista.

Sobre o Gangrena, achei que o Txuca tinha exagerado no post [em 03.04.18] porque nos 90 não curtia tanto (médio). Mas é insanamente bom! A melhor banda ao vivo hoje no país! Nível de show do Ratos nos melhores dias. Galera conhece os novos sons, empolgantes, engraçado, tudo muito louco. É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que você nem vê o tempo passar. Só precisa cuidar pra nenhum Exu te jogar no chão. Ficou todo mundo possuído, foi sensacional!! Me lembrou o pique do Raimundos no início, aquela loucura contagiante e aqueles shows vibrantes. Se não viu, veja urgente. Aproveitei e comprei o cd novo e o dvd duplo por meros 20 reais.

Vendeu que nem água (que custava 5).

***

O Ratos também fez um showzaço. Turnê de 30 anos do “Brasil”, que por si só já é espetacular. Gordo parecendo o Papai Noel, com uma barriga enorme (circunferência abdominal, não gordo como antes), mas simpático e sorridente. Totalmente indignado contra o Bozo. Entremeando discursos politizados e atualizações nas músicas de 30 anos (mudando pouco, de tão atual). Em torno de 70 minutos, sem tempo nem para tomar um ar. Foda! Foda mesmo.

Em determinado momento vazou um som do palco ao lado e ele disse “pára, pára! Música ruim do caralho”. Era o Shaman hahah. Só um conselho: se curte Ratos, procure os shows. Gordo não agüenta mais: mal se movia e está baqueado e desanimado com a porra toda. Mas canta com a mesma ferocidade de sempre.

Descansei no Shaman e nem sei quem era o vocalista. O som tava uma merda de embolado e uma choradeira no piano me fez pensar que era o André. Mas não cravo e nem me importo. O problema é que foi longo pra caralho! Tinha black metal espalhado por todo o espaço, dormindo ou chapados esperando o Rotting Christ. Devem ter sido duas horas de show. PQP! O Ratos devia ter o dobro de pessoas, pelo que vi rapidamente quando fui pegar uma cerveja; e eram espectadores em um teatro, imóveis. Bah!!

Até que veio o Rotting Christ, que me lembro de ouvir nos 90 com black metal clássico da época. Me surpreendi com a qualidade de som dos gregos. Climático, bem executado, pesado, lento. Em nada lembra a banda da minha memória, está mais próximo do que a nova leva de black metal faz (tipo Dimmu Borgir). Showzaço, curti tanto que vou atrás pra me inteirar. E foi nítido que a galera veio para vê-los: tinha mais camisetas deles no show do que das outras bandas. Galera cantando, concentrada, pedindo música pelo nome. Alguns nitidamente emocionados. Foi muito bom.

Já era uma da manhã e não aguentei mais, fui embora antes de acabar. Estava morto, e nem vi o restante das bandas (parece que faltava apenas o Motorocker).

***

Chamou minha atenção o envelhecimento da galera: maioria entre 25 e 35 anos, menor quantidade entre 18 e 25 anos. Pouquíssimos abaixo de 18 (era totalmente permitido qualquer idade) e bastante os acima de 35. Também me impressionou a educação da galera – nego mal te encosta e pede mil desculpas – organização fora do comum (climatizado, ninguém fumava no ambiente, banheiros limpíssimos, cerveja geladíssima, latinhas no lixo e mesmo assim várias pessoas fazendo a limpeza), comida gostosa, variada e rápida; pontualidade das apresentações; seguranças cortezes e de enfeite, de tão comportada e ordeira a horda. Palcos e sons fora do comum. Tudo muito impressionante e um espaço que merece diversos repetecos. Devia ter umas 2000 pessoas, tranquilamente.

Dormi até às 15h do domingo e ainda estou sentindo o ciático.