SAIU EM CD?

[no embalo dos posts-listas sobre rock brasileiro]

“18 Anos Sem Sucesso”, Joelho De Porco, 1988, Eldorado

sons: 18 ANOS SEM SUCESSO / MARIQUINHA, MARICOTA / FLIPPER / O HOMEM QUE EU AMO * / MAMÃE, MAMÃE [Herivelto Martins] / REBELIÃO NO CARANDIRÚ * / ENQUANTO VOCÊ PISA NI MIM * / SE EU ME APAIXONAR * / THE SAVERS / NO CÉU NÃO TEM CERVEJA * / DE VÉU E GRINALDA / TWIST DE BRANCO / BOEING 723897

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Lembro haver me espantado, vendo o “Botinada” (documentário sobre o movimento punk brasileiro paulistano) certa vez, dalguns depoimentos por ali darem o Joelho De Porco como inspiração para o “movimento”.

Logo eles, que nada tinham de pobres da periferia: todos gente muitíssimo abonada – os fundadores Tico Terpins (dono de estúdio de jingles e playboy) e Próspero Albanese (advogado e dono de bar de rico), como os que entrariam nos 80’s Zé Rodrix (compositor consagrado, inclusive de jingles e sócio de Terpins no tal estúdio) e David Drew Zingg (fotógrafo estadunidense, com longa carreira nos EUA natal e por aqui). Porém, elementos presentes nos 2 primeiros discos da banda, “São Paulo 1554/Hoje” (1974) e “Joelho De Porco” (1978) dão a entender tal influência.

Sons de chassi rock’n’roll e blues repletos de duplos sentidos cacofônicos (“México Lindo” e em “Boeing 723897” ao vivo), citações musicais variadas – Jovem Guarda, cantos tiroleses, Beatles, canções mexicanas – em meio aos de lavra própria, e de algum esculacho para com hábitos (já datados) da classe média paulistana (“Aeroporto De Congonhas”), e ainda alguma crônica urbana. Vide “São Paulo By Day”, do disco de estréia, que nos 70’s já citava a atuação dos “trombadinhas” no centro de São Paulo.

Algo que no contexto do rock brasuca setentista se fazia escasso: rock em português citando mazelas da realidade própria não rolava, muito menos com o “rock da Pompéia” (Made In Brazil e congêneres), mais cru. Ah, o fato de usarem smokings e maquiagens mezzo glam mezzo punk (visú transgressivo pra época) ao vivo também deve tê-los destacado em meio ao ecossistema…

Álbuns iniciais esses – o 2º, pela Som Livre, mais pesado (graças a Wander Taffo), embora sendo quase 50% de regravações de sons do primeiro, com vocalista argentino afetado e chatonildo (um certo Billy Bond, que não sei se é ainda produtor de filme erótico) – que recomendo uma busca. Aquele download despretensioso e curioso.

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A carreira discográfica do Joelho, porém, e a despeito de mudanças de formação talvez só menores que do Yes e do Annihilator, foi curta: meros 4 álbuns. Do qual este derradeiro “18 Anos Sem Sucesso” apresenta melhor formatação em relação a “Saqueando a Cidade” (1983), anterior e duma “volta” da banda (Terpins encerrara o Joelho em 1978) e negativamente prolixo em meio às ainda mais copiosas citações costuradas a sons voltados a figuras do showbiz, como Tim Maia e Roberto Carlos (merecedor de “Um Trem Passou Por Aqui”, de humor BASTANTE DUVIDOSO e INCORRETO, que descreve o suposto atropelamento e mutilação da qual o mais famoso capixaba foi vítima).

“18 Anos Sem Sucesso” traz também uma sonoridade OUSADA – até hoje – para o rock brasileiro: uma orquestra de 35 integrantes + coral (incluído um infantil) os acompanhou na maior parte do álbum, que incluem nova regravação de som antigo (“Boeing 723897”), standard de jazz (“The Savers”) e versões soft rock em português de sons gringos [sons asteriscados acima], temas infantis (“Flipper”, sim, é música-tema do filme do golfinho legal aportuguesada, enquanto “Mamãe, Mamãe”, breguice pueril deslavada dos tempos de antanho) e breves sons de veia politicamente incorreta.

Dentre os quais destaco a faixa-título, sobre roubadas pelas quais passaram em shows, apresentações na tv (“Festival dos Festivais”, em 1983, na Globo, em que chegaram ã fase final com “A Última Voz do Brasil”) e ataques frontais e indiretos a autoridades, donas de teatro e a ex-integrantes. Em meio a uma música elegante (um mega-jingle) e de refrão feminino: “a Deus tudo que peço só mais 18 anos sem sucesso”.

“Mariquinha, Maricota” é um mambo sobre gêmeas vadias nascidas em Trinidad & Tobago, meio em portuñol; “No Céu Não Tem Cerveja”, polca cantada metade em alemão (e sei lá se em alemão que existe). “De Véu e Grinalda” possui backings em português de Portugal, que tornam a letra incompreensível, sendo “18 Anos Sem Sucesso” um álbum requintado, muitíssimo bem feito e arranjado…

… com nítida intenção de “piada interna” entre os 4 artífices, que certamente se cagaram de rir cometendo-o, emulando cantores de Velha Guarda (Nélson Gonçalves), tirando sarro de si próprios (vide capa, antecipando vindoura e patética decrepitude) e AINDA do ouvinte, sobretudo fãs antigos, que jamais esperariam disco assumidamente retrógrado e intencionalmente antiquado.

Nem tudo funciona, claro, como as participações de Zingg, em vocalizações todas saturadas (e sempre em inglês) das quais não entendo se entende porra nenhuma. Além disso, não vejo neste um álbum que, relançado em cd, faria muita diferença à Humanidade (encalharia grandão), embora ainda goste bastante dele.

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O Joelho De Porco sumiu pouco após – e as mortes de Terpins, em 1998, de Zingg em 2000 e de Rodrix em 2009 tornaram definitivo o término (voltariam esparsamente em 1997 pra shows de relançamento da obra em cd, em eventos tributo duvidosos e numa participação tida como vexaminosa em Virada Cultural recente, apenas com o sobrevivente Albanese e membros obscuros do início) – e ainda assim legou albuma transgressividade cáustica e irreverente, sobretudo POLITICAMENTE INCORRETA, na música brasileira, num certo rock nacional.

Por exemplo: os vejo tendo influenciado descaradamente formações como o Velhas Virgens.

No que valeria conhecê-los, sim, por alguma ATITUDE punk, por mais contraditório que possa parecer. (E por mais que marxistas de plantão ignorem existir elite pensante). Os tiozões tocavam o puteiro.

[resenha originalmente publicada no falecido Exílio Rock, em 18 de Fevereiro de 2011]

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