TOTEM & TABUS
por Leo Musumeci
Sempre defendi bandas que se atualizassem, que não ficassem presas a uma produção antiga, apenas revisitando uma forma de fazer música, com mesmo tipo de som e mesma estrutura, a fim de não perder seu público cativo (aqueles que, ao menos no Brasil, se legou o título de “trues” – que antigamente te inquiriam na porta de lojas da Galeria pra saber se você estava à altura de comprar tal cd).
Assumo: acho que vem daí um pouco da minha dificuldade de gostar de boa parte dos clássicos anteriores à década de 1990, pq eram justamente essas produções que alimentavam essa forma exclusiva de tratar o metal como um grupo fechado, sectário, a que pouquíssimos eleitos podiam ter acesso.
Lógico: a qualidade de produção, a incorporação de outros tipos de levada, riffagem e etc também contam, mas tenho que ser franco ao dizer que me satisfazia gostar de tudo aquilo que essa galera “true” não gostava. Rs
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Outro adendo: não se trata de neofilia, mas de entender que há uma trajetória que mescla as mudanças técnicas, conjunturais, de membros nas bandas, eventos na trajetória individual de cada músico, entre tantas outras coisas, que simplesmente torna impossível acreditar que um som possa se manter a despeito do tempo. Zeitgeist? Talvez.
E o In Flames sempre foi uma banda de ponta nessa linha, que mudou muito seu som e – embora eu mesmo tenha ressalva com algumas produções mais recentes, e me parecesse que meu desinteresse era proporcional à acomodação da banda à indústria fonográfica estadunidense – achava interessante ver o processo deles.
Pois, agora, parecem ter iniciado um movimento que me inspira a escrever este post: desde 2019, com o lançamento do (bom) “I, the Mask”, a banda está lançando seu terceiro cd. Terceiro? Sim! Mas como? No micro-ondas? Ahn?
Explico: aparentemente, perceberam o potencial dessa atualização no mercado musical e resolveram investir mais pesadamente nesse segmento. Talvez, percebendo que as “edições de colecionador” são um nicho importante e, mais importante, sabendo exatamente em que público mirar. Fruto de análises de data science? Provável.
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O “I, the Mask”, que já resenhei no S.U.P. [em 26 de abril de 2019], é um bom cd, que despertou bastante o interesse dos fãs antigos e gerou uma mobilização de retorno à banda, ainda que não fosse um cd nos moldes dos mais clássicos (um movimento similar ao “Quadra”, do Sepultura, pra balizar aqui). Desde lá, lançaram uma versão ‘Arcade’, ou seja, com o som do “I, the Mask” em midi’s de videogame de 16 bits da década de 90 – que também achei muito legal – e agora, para comemorar 20 anos de “Clayman”, o cd tido como o maior clássico da banda, não simplesmente fizeram turnê comemorativa, mas regravaram todo o álbum pra relançar.
(puxando aqui pela memória, não me lembro de uma iniciativa como essa – talvez esteja sendo injusto)
De toda forma, achei muito boa a proposta: novas artes, novos arranjos, novas gravações, sobre as músicas antigas. Há, obviamente, algo de saudosista, de mercadológico (mirando nos fãs antigos), mas a proposta acho bacana… Inclusive enquanto desafio pra própria banda: como relançar um clássico mudando (já que a idéia foi regravar e não simplesmente remasterizar), mas sem perder a essência? Muito melhor a proposta que a execução, a meu ver, como demonstram as duas versões (original e atual) que compartilho aqui no post com vocês.
Mas, embora entenda que a avaliação do resultado seja preponderante numa avaliação daquilo que você vai ouvir no fone, no carro ou com os amigos, isso repõe a questão do que é, efetivamente, o produto final da música, que vem sendo paulatinamente secundarizada com a era do streaming.
Uma forma de recuperar e atualizar o saldo de 20 anos atrás, talvez. Gostemos ou não.
E aí não tem como, novamente, não dar ponto pros caras!
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Talvez bandas com mais tempo de estrada – principalmente as que comemoram até os 21 anos, 7 meses e 18 dias de seus cd’s clássicos sem conseguirem uma produção relevante desde lá – tenham bastante a aprender com eles. Mas, pra isso, precisariam deixar um pouco seu lado ‘true‘.
märZ
11 de junho de 2020 @ 20:54
Nada do conheço do in Flames e o pouco que ouvi anos atrás não me agradou, por isso esqueci. Mas achei curioso que o que há de elogio e perspectiva positiva no seu texto pode ser dito sobre o Sepultura pós-Max: Inovação, não acomodação, novas levadas, acréscimo de outros sons e sabores, e um distanciamento da “truzisse” geral.
Mas ainda assim você critica essa fase da banda e tem uma má vontade enorme até mesmo de ouvir os albuns com calma. E se a banda regravasse hoje um album de sua fase dourada nessa mesma linha que fez o In Flames, o que vc diria?
É pergunta de prova.
FC
12 de junho de 2020 @ 12:46
No início dos anos 2000 teve meio que uma moda com Testament, Anthrax e Destruction lançando discos de regravações, meio que atualizando os antigos sons com as formações da época.
Por outro lado, nunca vi sentido em regravar discos inteiros, principalmente os clássicos, como no caso do Twisted Sister e esse do In Flames. Salvo, é claro, os que fizeram por questões burocráticas, como o Dimmu Borgir e o Dr. Sin, que não tinham mais os direitos dos discos e estavam fora de catálogo.
märZ, não posso responder pelo Leo, obviamente, mas duvido que o Sepultura se atreveria a fazer isso. Seria dinheiro e energia gastos à toa, somente para ouvir gente saudosista reclamando. Passaria um recibo tremendo, principalmente depois da boa repercussão dos dois últimos.
märZ
12 de junho de 2020 @ 13:07
Vi agora que não foi o Marco que escreveu o texto, então meu raciocínio e pergunta perderam o sentido, não se aplicam. Txucaz, pode desconsiderar, Leo idem.
Mas dou um triplo twist carpado e levanto a bola na área, aproveitando o passe longo do FC: e se o Sepz fizesse o mesmo?
Marco Txuca
12 de junho de 2020 @ 14:22
Nenhum comentário é desperdiçado por aqui, amigos. Mesmo o märZ pondo em cheque minha birra de menino buxudo com o Sepultura ahah
Sem querer fechar a discussão, pontuo 3 perspectivas:
1) como bem apontou o FC, já houve regravações. Aliás, até, uma onda de regravações q a mim funcionou bem mais pra cumprir contrato com gravadora ou tentar recolocar hordas no mercado, do q comemorativo
Twisted Sister, Dimmu Borgir e Dr. Sin regravaram discos. E o q ficou foi q ñ fedeu nem cheirou. Anthrax, Testament, Suicidal Tendencies, Amorphis e Destrúcho o fizeram num clima de “formação nova, olha como ficaram melhores as antigas”. O q, pra mim, só ficaram legais as do Testament e do Destrúcho (sobretudo os alemães)
Exodus tb regravou o “Bonded By Blood”, de modo hemiplégico DUAS VEZES: no “Another Lesson In Violence” (pra embalar a volta com o Baloff), sem “Metal Command” + 3 do “Pleasures Of the Flesh” + “Impaler”, q eu achei sensacional; e no “Let There Be Blood”, com Rob Dukes, com uma inédita de bônus. Q pouco acrescentou.
2) houve casos de regravação de discos inteiros, por motivo de descontentamento. Hypocrisy regravou “Catch 22” pra ñ ficar tão “new metal” (e ñ ouvi o regravado) e o Meshuggah regravou “Nothing” pq os guitarristas tinham ganhado dos patrocinadores guitarras de 8 cordas e acharam uma boa idéia regravar as músicas com elas
Só regravando as guitarras, passando a bateria gravada no trigger, tacando uns efeitos no vocal, ñ alterando o baixo e mexendo em andamento em 2 sons. Ficou melhor pra mim, mas o “Nothing” original ñ era ruim. Preciocismo e gravadora bancando ahah
3) quanto ao In Flames, tenho q são mega banda ainda na Europa, super influentes (aliás, como o Nightwish com Floor Jansen. Impressionante) e aí a questão passa a ser o lance comemorativo, atualizar o som (q já era Pro Toolzado – pro toolzaram o Pro Tools? Precisava os caras regravarem? Ahah) e vender nostalgia
Se recolocarem no mercado de novo aos saudosistas q os haviam abandonado, ao mesmo tempo em q mexer com os neófitos, provocando: “olha como já fomos. Gosta?”
Sepultura regravando estaria fora de qualquer modo. Ao mesmo tempo, nunca deixaram de revisitar em show, então o placar ñ é zero a zero aí.
Eu iria atrás se o Slayer regravasse o “Hell Awaits”. Em certas épocas, imaginava o Kreator regravando “Endless Pain”, mas Mille Petrozza ñ oferece mais qualquer condição, hum?
Thiago
12 de junho de 2020 @ 21:31
Serei ‘true’ haha: Manowar também usou do expediente de regravar clássicos: ‘Battle Hymns’ MMXI e ‘Kings of Metal’ MMXIV, neste último mudando a ordem das músicas e acrescentando aos títulos originais pronomes de tratamento, preposições e artigos (definidos e indefinidos) risíveis. Os resultados foram, respectivamente, muito ruim e inaudível. Por óbvio, o caso aqui é necessidade mercadológica somada à crise de criatividade – para mim, desde 1988; para várias pessoas, desde sempre.
LEONARDO RAFAEL MUSUMECI
14 de junho de 2020 @ 08:10
Salve, märZ,
Vou na do Txuca: acho que o comentário é bom demais pra ser desconsiderado! Rs
Eu respeito o que o Sepultura fez após a entrada do Derrick, embora não goste de tudo. Inclusive, antes do bom Quadra, os CDs que mais tinha apreço eram o Against e o Nation… Ainda que saiba que o trabalho do Jean depois foi muito legal, acho que, nesses dois primeiros, eles tinham uma tentativa de mudar efetivamente o som, de dar sequência ao que saiu do Roots, modernizar, mudar, … Depois, desistiram desse caminho e tentaram se reencontrar(seja por estarem perdendo mercado, seja pelo new metal ter entrado em decadência, seja pela saída do Iggggor mais à frente, …), o que demorou a engrenar e, a mim, pareceu menos interessante.
O que não é demérito. Eu tb não gosto de uma fase mais recente do In Flames, e tudo bem. Rs
O que me parece problemático no Sepultura é justamente negar a própria fase que tanto defendem. O Against está aí com 22 anos e nunca ninguém citou! Nem um SHOW comemorativo.
(não estou nem pedindo turnê, como fazem aos 20, 25, 30 anos de beneath the remains e arise, só um showzinho pra tocar na íntegra). Pq não relançar o CD gravado com o Eloy, com novos arranjos? Chamar de novo o Gordo pra regravar “Reza”?
Pô! Eu acharia bem legal!
Concordo com os colegas que não daria pra fazer isso com os discos do Max pq seria passar um recibo GIGANTE, mas pq não revisitar a própria fase Derrick?
Talvez não tivessem contexto, pq não tinham um CD que a galera apoiasse, como o Quadra. Mas, agora que tem, em 2023, depois de mais um bom CD, pq não?
Marco Txuca
14 de junho de 2020 @ 16:43
Eu daria uma chance ao Sepultura regravando “Against”. Com a formação atual, rearranjos das músicas capengas e participações de JG e Jason Newsted tais quais.
O “Nation” acho q nem regravado tem salvação ahah
Ao mesmo tempo, o expediente “regravar” tem ficado enrustido em shows comemorativos de bandas q tocam o disco X ou Y na íntegra. Às vezes com dvd’s resultantes da festa.
Ratos de Porão foi feliz e infeliz nisso, pra citar exemplo. “Sistemados Pelo Crucifa”, tô com o Jão: ñ curti. Agora, o show q eles fizeram com a formação do “Crucificados Pelo Sistema” com Jão na bateria + Jabá + Mingau + JG rendeu um baita dvd, pra falar a verdade e diga-se de passage.
Além das histórias contadas entre os sons e no documentário extra. Isso agrega valor.
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Outro exemplo lamentável foi há alguns anos, quando os Titãs fizeram show comemorativo de 20 ou 30 anos, com participações dos saídos Arnaldo, Nando e Charles.
Passou à época ao vivo no Multishow. Ficou uma BOSTA. Arnaldo deslocado, Nando Reis quimicamente alterado, Charles pouco acrescentando. Tanto q nem lançaram o material, preferindo show comemorativo do “Cabeça Dinossauro” na ordem e com a formação do momento. Ficou melhor e mais digno.
André
15 de junho de 2020 @ 22:44
Against e Nation não merecem shows comemorativos. Só acho.
André
15 de junho de 2020 @ 22:49
Li uma entrevista do Kerry King na Roadie Crew em que ele fala que não faz sentido regravar discos como Show No Mercy, que se tivesse que fazer isso, seria com o Divine Intervention que, segundo ele, tem um som de merda.
Quanto ao In Flames: entendo o impacto, mas, pra mim, não fede e nem cheira. Quanto a regravar álbuns, não vejo mais necessidade disso.
Marco Txuca
16 de junho de 2020 @ 13:42
Concordo com o desnecessário disso tudo. Daí o estranhamento: em 2020 regravação de disco? Por outro lado, o covid travou turnês… Terá sido por isso?
Pensei em exemplo de bandas maiores, como o Iron Maiden, q nunca deixou de fazer turnês, e volta e meia emplaca turnê retrô: ñ deixa de ser um tipo de regravaçao ou de revisitar trabalhos antigos.
O “Book Of Souls Live Chapter”, nesse sentido, comprei por causa de “Children Of the Damned”. Ficou do caralho.
E o Rush, em suas últimas turnês, fazia um lance pra fãs mesmo, de tocar ao vivo sons q nunca tinham tocado em show.
Na turnê do “Snakes & Arrows” (q virou dvd triplo), tocaram “Entre Nous”, um puta som. E ao terminarem a banda, ainda assim ficaram devendo sons ao vivo…
Na turnê “Time Machine” (R 40), repaginaram “Marathon”, sem o exagero de teclados e ficou bacana. Então tem banda q consegue revisitar e atualizar os próprios sons sem necessidade de relançamento. Mas bandas com estatura mega.
Leo
17 de junho de 2020 @ 10:28
Eu gosto da ideia das regravações.
Mas toda essa discussão me mostrou que é algo que precisa “fazer sentido”.
O In Flames é uma banda mais “nova”, que sempre teve essa questão de inovação, e que mudou um bocado seu som desde o Clayman, que é seu disco clássico.
Por isso, tentar entender como ele soaria com a formação e sonoridade de hoje, parece fazer sentido.
Mal comparando, acho que, se o Kreator fizesse isso com o Violent Revolution, por exemplo, não faria sentido, porque foi um ponto de virada da banda, que consolidou o som como conhecemos hoje. Com discos antigos, clássicos, tb não sei se “pegaria bem”, pq os tr00s iriam detestar, já que gostam é de coisa mal gravada (hahaha. Brincadeira!). Mas, pra bancar a Dayane dos Santos e dar mais um duplo twist carpado, pq não regravar o Endorama, que é um disco que muita gente não gosta (eu, por sinal, gosto muito! Rs) e que uma atualização do som poderia alavancar o disco pra tr00s e n00bs?
Acho que a regravação é estratégia mercadológica, sem dúvida, mas, mais que isso, passa por entender qual seu momento, quem são seus fãs, o que esperam, o que os surpreende e toca.
Nesse sentido, me retrato: acho que, no caso do Sepultura, o CD que faria sentido gravar de novo seria o Against.
O Nation realmente não.
Mas, ainda assim, acho essa discussão válida (mais pela forma de lidar com o passado e da banda entender sua posição e papel na música hoje que pelo caráter de mercado).