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“Black Light Syndrome”, Bozzio Levin Stevens, 1997, Magna Carta

sons: THE SUN ROAD / DARK CORNERS / DUENDE / BLACK LIGHT SYNDROME / FALLING IN CIRCLES / BOOK OF HOURS / CHAOS-CONTROL

formação: Terry Bozzio (drums), Tony Levin (basses and stick), Steve Stevens (all guitars)

Terry Bozzio passava por momento de entressafra sazonal: fase de poucos alunos, workshops e atividades rentáveis. Precisando fazer uma grana, ouviu sugestões de seu agente para iniciar um “projeto rock“, e de sua esposa para procurar Steve Stevens, a quem ñ conhecia pessoalmente, só pelos trabalhos com Billy Idol, Michael Jackson e Atomic Playboys.

Convidou Stevens a um workshop q fez em novembro de 1996 e teve dele o feedback de haver curtido as músicas (próprias) apresentadas. Retribuindo a visita, foi apresentado no dia seguinte a trechos e idéias de Stevens de sons flertando com flamenco, em q se impressionou com o “profundo senso de melodia, harmonia, virtuosismo, sensibilidade estilística e tendências filosóficas”, q o fez crer q ñ só um “projeto rock” vingaria, mas algo bem maior do q um “projeto de estúdio” corriqueiro. O problema passou a ser encontrar um baixista à altura dos sons e criatividade por eles ensejada.

Cogitaram Tony Levin como um “baixista dos sonhos”, já q ñ o encontrariam disponível, sempre ocupado com projetos solo, gravações em estúdio ou tocando com Peter Gabriel e King Crimson. Grata surpresa tiveram em descobrí-lo interessado no projeto, contanto q lhe ocupasse 4 dias disponíveis (de 27 a 30 de Janeiro de 1997) de sua agenda corrida. Bozzio e Stevens trataram de fazer umas jams pra compor algum material inicial, combinando de antemão o uso de edições e overdubs no final, para fins de realce das idéias originais. Havia um risco quase suicida nisso tudo: 3 caras q nunca tocaram juntos compondo e fazendo um álbum em 4 dias?

Marcaram estúdio, ajeitaram o equipo e puseram-se a tocar, com o gravador ligado. “The Sun Road” inicial surgiu incialmente e souberam no 2º take q ficara boa. Os outros sons surgiram de puro improviso ou resultantes de combinações prévias de partes e momentos de mudanças. Nenhum deles gravado em mais de 2 takes ao vivo entre eles. Levin fez uns overdubs pra dar uns coloridos extras e voou pra Woodstock, pra seus compromissos. Stevens passou outros 5 dias fazendo overdubs no material em seu estúdio caseiro, o q envolveu incluírem alguns loops, efeitos e efeitos de voz; daí foi compor uma trilha sonora cinematográfica e deixou Bozzio cuidando de todo o resto.

O q incluía a encrenca de mixar (o q fez com o amigo Wyn Davis) em 6 dias os sons, com algumas orientações deixadas por escrito pelos demais, assim como batizar cada um. O processo tomou 3 semanas e virou este “Black Light Syndrome”.

Como é q eu, Marco Txuca, soube disso tudo? Lendo o encarte do álbum, datado de fevereiro de 1997 por Bozzio e traduzindo pra resenha, oras.

E o q é “Black Light Syndrome”? Um projeto progressivo todo instrumental, ñ prog, tampouco prog metal, de sons elípticos (maioria volta ao tema inicial no fim) e pouco dados a quebras abruptas ou fritações sem noção. Progressivo no sentido dos sons irem progredindo em si próprios, viajantes, contemplativos. De veia setentista, lembrando mais King Crimson q Yes ou Pink Floyd. Uma improvável junção de músicos, paradoxalmente reconhecidos como coadjuvantes de luxo, cujos egos ñ suplantaram o talento: pelo contrário, complementaram-se.

As estruturas são complexas, mesmo ñ soando numa 1ª audição, e contêm os famigerados ostinatos (padrões rítmicos interdependentes de manulações e pés) de Bozzio – às vezes meio “malas” – e muita experimentação de texturas e timbres. Contém exageros, como “The Sun Road”, épica em seus quase 15 minutos (mas sem encheção de lingüiça) e “Duende” como o menor som (7’25”). Demanda paciência e disponibilidade para ouvir: tvz ñ faça sentido baixar e ouvir randomicamente, enquanto se corta unha do pé ou joga paciência no computador.

Difícil destacar desempenho individual: os sons têm coesão. O resultado ñ soa montado por computador, mas orgânico. No entanto, por ser um “projeto rock”, Stevens se destaca por um pouquinho, em guitarras distorcidas, violões flamencos, passagens sintetizadas (q o tornaram famoso), num repertório guitarrístico digno de apreciação. Q o diga “Dark Corners” – a mais pesada – algo hendrixiana. “Duende” é a mais propriamente flamenca, predominantemente acústica.

A faixa-título, minha preferida, é quase blues, com guitarras elegantes, q Gary Moore ñ desdenharia. “Falling In Circles” faz jus ao nome: funda-se num riff dissonante hipnótico e circular e se desenvolve de modo centrípeto, com um baixo pesado e mastodôntico e efeitos sonoros a la Queensrÿche antigo. Ñ é chupim e nem tem a ver, mas pela esquisitice me remete ao Primus. Um pouco, pela dissonância, tb ao Jeff Beck de “There And Back”.

“Book Of Hours” tem um jeitão mais “tribal”, sendo a mais percussiva e a q Levin solta mais os bichos – o começo acústico ilude. “Chaos/Control” passa a impressão de um grande ‘foda-se’ dos três, sendo obviamente a mais caótica e cacofônica. Catártica, mas ao mesmo tempo repleta de dinâmicas e nuances. Fica como o som q alguém, desavisada ou ingenuamente procurando por heavy metal no álbum, finalmente encontraria.

Fuçando no Metal Archieves, soube do trio ter lançado um 2º álbum em 2000, “Situation Dangerous”, q sei lá se feito do mesmo modo experimental/improvisado/imprevisto. Imagino q, como com os sons deste, ñ devem ter feito shows ou turnê – ñ dá pra fazer ao vivo.

O selo Magna Carta tb é manjado e marcou alguma época nos meios prog: quem lembrar de Explorers Club e dos tais Liquid Tension Experiment e Liquid Trio Experiment e seus vanguardismos “prog miojo” (músicas feitas na hora e prontas em 3 minutos) – os 2 últimos nos quais Tony Levin tb tocou – cumpre lembrar: Bozzio Levin Stevens veio antes. E tvz tivesse lançado tendência de mercado, caso progressivices vendessem q nem chuchu na feira. (Será q Bozzio conseguiu ganhar seus trocados mesmo assim?).

E acho mais legal.

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CATA PIOLHO CCXXXVI – quem nunca ouviu ou se aprofundou em Ratos De Porão é q certamente desconhece o apreço dos mesmos e devoção de João Gordo aos mestres do grind bretão (e mundial) Napalm Death. Mas, num caso em q criador se vê em posição oposta à criatura, eis q recenemente me dei conta q “Birth In Regress” (do “Inside the Torn Apart”) tem um riff em seu refrão q é a cara do riff final de “Sofrer” (do “Anarkophobia”)…

Só faltou Barney Greenway rappear. Mesmas fontes, mesmo pathos.