ANOTHER PERFECT DAY
29 de janeiro de 2005, um sábado.
O show, confirmado 2 a 3 dias antes, um padrão nessa época pro No Class, o Motörhead Cover em q toquei até 2018: uma ex-banda autoral da qual até 2001 eu e o Edinho (vocalista/baixista) fizemos parte, “deu pra trás” e nos “indicou” no lugar. O bar era o Alquimia, onde tocaríamos outras duas vezes mais à frente.
Convidamos uma banda parceira e improvável pra tocar junto, o P.O.T.T. (Pleasures Of the Thrash), q fazia covers de Exodus e mais à frente se tornaria autoral, codinomeados Sarkaustic.
Aquela sensação de “roubada”, mas ao mesmo tempo de desafio. Bora pra Pirituba, bairro periférico e meio barra pesada. E foi sensacional.
Quão sensacional? O público presente (imagino q de 60 a 80 pessoas, lotando a sobreloja em q o bar se situava) simplesmente cantou TODOS os sons do Exodus q o P.O.T.T. tocou.
Foram a abertura, e enquanto montávamos nosso equipo pra “fechar” a noite, víamos e ouvíamos o povo emocionado (mesmo), cumprimentando, agradecendo e querendo pagar cerveja pros caras.
***
Chegou nossa vez e foi ainda mais apoteótico. Lá pelas tantas, uma moça dá um bilhetinho pro Edinho, q lê e me repassa ali atrás da bateria. Dizia o bilhete:
“toca ‘Ace Of Spades’ e dedica pro Fernando”
Edinho me pergunta: “tocamos agora ou mais pra frente?”. Tínhamos um setlist montado. “Ace Of Spades” seria mais pra frente – mas ñ a última música – pra gerar suspense prévio e comoção coletiva ao final. Respondi: “daqui a pouco, Edinho”.
O final da noite foi coroado com gente chorando, nos agradecendo por tocar ali, algumas pessoas querendo nos contar suas histórias com o Motörhead (sempre havia alguém querendo falar do show de 1988 nessas horas), insistindo em nos pagar cerveja, e até uma moça me pedindo baqueta como recordação. Rendeu um b.o. e chilique da então namorada, mas deixa quieto.
**
Mas a “Ace Of Spades”, como imaginado, foi catártica. Intensa. Quando acabou a última frase (tan- tan- tan… tan-tan-tan), lembro até hoje do URRO em uníssono q a coletividade exalou. Parecia q o bar despencaria.
Ñ despencou.
Aí o Edinho manda “essa foi pro Fernando!”
“Ae, Fernando!”
“Fernando?” (microfonia ainda rolando acompanhava)
“Fernando… cadê você?”
A moça q tinha dado o bilhetinho, em pranto convulsivo, chegou próxima do palco, e mandou:
“Fernando era meu irmão, ele adorava Motörhead e morreu assassinado aqui no bairro terça-feira”.
Caralho.
Tiago Rolim
28 de agosto de 2020 @ 13:40
Rapaz. Que história. Triste. Mas bonita. O quê é o poder da música não?
Jessiê
28 de agosto de 2020 @ 14:21
Que foda, nos dois sentidos.
Pode repostar?
märZ
28 de agosto de 2020 @ 14:22
Caralho.
André
28 de agosto de 2020 @ 15:51
A música é assim. Sobretudo, o rock/metal. Na perifa, tem gente carente desse tipo de som, que se tivesse condição, iria a shows, etc.
Bela história.
Thiago
29 de agosto de 2020 @ 03:31
Sine musica nulla vita.
Marco Txuca
31 de agosto de 2020 @ 10:36
Principalmente o q o André postou: nas periferias aqui na capital e em cidades até grandes de interior (tipo Sorocaba, Piracicaba), a gente era tido como “representante do Motörhead”. Pessoas vinham falar de Motörhead com a gente, da primeira vez q ouviram, discos preferidos e, muitas vezes, de como nunca tinham conseguido ver um show.
Longe e caro, quase sempre. Às vezes a gente tinha q se policiar pra ñ parecer cuzão, do tipo sair falando q vimos 3, 4 ou 5 vezes shows dos caras.
(no meu caso, 5 vezes)
E eu fui vendo, muitas vezes, meio q uma “função social” nossa de tocar em certos lugares. De dar alguma vazão, algum tesão, a pessoas q nunca tiveram uma chance. Muito louco isso.
FC
31 de agosto de 2020 @ 14:33
Que história maravilhosa. Diante desse depoimento, vou bater mais uma vez numa tecla. Esses baluartes do “metau nassionau” que culpam o público pelos fracassos em suas carreiras fazem quantos shows por ano na perifa? Fazem quantos shows no interior?
Será mesmo que as pessoas vão ao show do AC/DC só porque pagam pau pra gringo? Um show da Turma da Maria Odete na mesma Pirituba não reuniria uma galera?
Aproveito pra compartilhar um depoimento também, sobre o poder da música. Certa vez trabalhei num festival em que o Tom Zé encerraria. O show dele começaria 21h, mas lá pelas 13h uma mulher pediu pra falar com alguém na produção porque tinha um bilhete pra entregar.
A equipe dele só chegou umas 18h e a mulher ainda estava lá. Fiquei com um pouco de pena e, ao mesmo tempo, impressionado pela determinação dela. Conversei um pouco e ela me disse que só queria entregar um bilhete pra ele, nem iria ficar pra ver o show.
Achei estranho, mas disse que eu mesmo entregaria. Ela me deu o papel, começou a chorar e disse que era um agradecimento a ele. O irmão dela havia cometido suicídio no dia anterior e era muito fã dele.
Entreguei o bilhete e, evidentemente, não o li. Foi foda.
Marco Txuca
1 de setembro de 2020 @ 12:00
A turma do “metal nacional” ñ sabe nem q Pirituba ainda é na capital. Ñ vão pq tem nojinho de periferia. Sempre preferiram tocar no Blackmore, no Manifesto, em festivais auto-proclamados ou fazer abertura pra gringo.
A “turma da Maria Odete”, aliás, se ousou sair da Grande São Paulo pra fazer show, abusava do direito de pedir cachê e regalias. Estamos falando aqui de 2005; teve um bar em Carapicuíba em q pra tocarem, Korzus e Acquaria (lembram disso?) pediram 2 mil reais de cachê cada.
Cachê de 4 dígitos em bar cobrando 5 reais a entrada pra dar público. Ñ rolou esse, óbvio (donos de bar me disseram). Rola esse abuso com bandas cover q se acham foda aqui de SP: cachê de 4 dígitos + van + comida.
Esse tipo de banda em 2019/2020 deve estar querendo cachê de 5 dígitos.
***
Tem um outro aspecto ainda, o da filhadaputice: e conto aqui historinha envolvendo a outra banda citada, o P.O.T.T.
P.O.T.T. e Oligarquia foram convidados pra evento em Moto Clube em Leme, lugar e cidade onde toquei várias vezes, várias vezes muito boas.
As bandas se falaram, resolveram o itinerário da van q os promotores de lá arrumaram aqui pra eles (ida e volta, sem custos), trocaram idéia de equipamento (tal banda levava amplis, outra banda levava estantes de bateria etc). E foram.
E voltaram.
No dia seguinte, o contratante de Leme liga pra alguém do P.O.T.T. pra saber se foi tudo bem, se tinham sido bem assistidos, se tinham voltado com segurança, essas coisas.
Até q perguntou: “e o cachê, foi legal pra vcs?”
O camarada do P.O.T.T. ainda retrucou: “q cachê?”. Resumo: o Oligarquia tinha ficado com a grana. Rolou van e grana.
Jairo
1 de setembro de 2020 @ 15:54
Cara, sempre digo aos amigos que o interior é o melhor lugar pra tocar. Quantas não foram as vezes que toquei com o Chaos Synopsis em SP ou capital de outro estado que não dava tanta gente e o pessoal cagava pro rolê, enquanto show no interior, você desova merchan e a galera curte como se não houvesse amanhã.
É muito da lei de oferta e procura, mas o metaleiro nacional não está preparado pra essa conversa e não está nem um pouco disposto a pegar estrada.
André
2 de setembro de 2020 @ 00:57
Com metaleiro fã de Angra e filiais é quase impossível estabelecer uma discussão que faça sentido.
FC
2 de setembro de 2020 @ 10:35
“o Oligarquia tinha ficado com a grana”. Olha, tão de parabéns. Extrapolaram o limite da falta de caráter.
Marco Txuca
2 de setembro de 2020 @ 10:39
Tvz seja preconceituoso da minha parte dizer, mas o típico metaleiro fã de Angra (são grandes no Japão!) pra mim é aquele playboy q nunca pegou um busão na vida.
Parafraseando um Dave Mustaine rápido tb: “fã de Angra” e “discussão” numa mesma frase ñ me fazem qualquer sentido ahah
E esse tipo de banda “metal nacional de apartamento” ñ quer botar um bumbo no porta malas e sair de carro pra tocar no interior. Pra ganhar cachê q cobre gasolina e pedágio, pra levar cd da banda embaixo do braço pra vender. Querem reconhecimento, mas ñ querem sair tocando.
Fora isso, o q o Jairo colocou faz sentido: como paulistano nascido, criado e morador aqui, tenho q a oferta de shows aqui é imensa e constante. Raros foram os shows q foram no interior, e ñ aqui (Girlschool pela primeira vez, SWU), e mesmo show de Rock In Rio vem pra cá. Então rola aquilo de “ah, ñ vai dar pra ir, mas ano q vem tem de novo”. Têm rolado alguns shows em Limeira (até algum ou outro q ñ veio pra capital), mas muito poucos.
E em termos de botecos, a mesma coisa. E as mesmas bandas cover, fazendo os mesmos setlists. Daí rola um impacto absurdo quando tocamos no interior. Até pq galera do interior valoriza às vezes até demais. Trata a gente da capital como se fôssemos gringos.
Tempos atrás, andou rolando dumas bandas irem tocar no Nordeste (tipo Destruction, Blaze Bayley) e eu dizia isso pro Leo: a hora em q promotor de show descobrir q dá pra fazer 10 shows em interior e Nordeste, de repente até abre mão de São Paulo, capital.
Mas parece rolar uma acomodação nesse sentido.
PS – citei o Oligarquia em meu aparte anterior: tempos mais tarde do ocorrido ali, tocamos com eles tb em Leme e foi tranquilo. Mas estávamos avisados e ñ os deixamos organizar sozinhos o rolê
Jairo
3 de setembro de 2020 @ 15:53
O problema do interior pra show de banda mediana/grande são as distancias e falta de aeroporto, o que acaba inviabilizando muita coisa maior de ir pro interior.
Agora pra bandas under e série C do mainstream underground, da pra fazer rolar bem, a exemplo do que vem rolando em Limeira.